Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021

66 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 42-70, 2º sem. 2021 ARTIGOS que um dos pressupostos para a concessão da medida é que a ilegalidade seja manifesta 37 . O próprio Supremo Tribunal Federal, contraditoriamente, já rejeitou em mais de uma oportunidade a utilização do habeas corpus para discutir a inconstitucionalidade de lei em tese 38 . Mesmo assim, a Corte con- tinua a admiti-los e processá-los, contra disposição expressa da Constituição. A bem da verdade, caso fosse possível salvar o emprego atual do ha- beas corpus com base nessa sistemática, seria necessário antes demonstrar a possibilidade de conciliar o conceito de “ilegalidade manifesta” com o de presunção de legitimidade das leis aprovadas pelo Parlamento. Se de fato a atuação dos agentes da lei com base em norma aprovada pelo Congres- so pudesse ser, sob qualquer ângulo que se observe, tida como “constran- gimento de liberdade manifestamente ilegal”, seria de perguntar-se a que patamar ficaria reduzido o princípio segundo o qual as leis aprovadas pelo processo legislativo são presumidamente constitucionais. Em todo caso, o ônus argumentativo – com os inquietantes riscos que dele resultam – corre por conta de quem queira afastar essa presunção. IV. Conclusão. Como se viu ao longo deste trabalho, o habeas corpus – no âmbito da prática jurídica do Supremo Tribunal Federal – acabou por ser completa- mente desvirtuado de sua função original, transformando-se numa espécie anômala de controle de constitucionalidade das leis penais. Esse desvirtuamento do habeas corpus tem contribuído para o grave problema de acúmulo processual do STF, além de depor contra a siste- mática regular dos nossos instrumentos recursais, permitindo às partes uma dupla análise da matéria, tanto por recurso extraordinário, como através de HC. 37 Esse, a propósito, é um dos motivos pelos quais não cabe dilação probatória em habeas corpus , devendo o remédio sempre vir acompanhado de prova pré-constituída. Nesse sentido, cf. FOPPEL, Gamil; SANTANA, Rafael. Op. Cit., p. 61. 38 Cf., por exemplo, STF – II Turma. HC nº. 96.425/SP. Relator: Ministro Eros Grau. Julgado em 3.3.09, publi- cada no DJ de 13.8.09; e STF – II Turma. HC nº. 109.101/SP. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 7.2.12, publicada no DJ de 29.5.12.

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