Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021
65 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 42-70, 2º sem. 2021 ARTIGOS do planeta possui competência tão ampla para processamento de quaisquer ilegalidades cometidas pelos cidadãos. Afinal, parece claro que “os tribunais superiores não têm vocação criminal” 36 . Como órgãos colegiados “distantes do delito”, é natural que as Cortes demonstrem “pouca agilidade e decidam com lentidão” as causas penais originárias (TAVARES FILHO, 2017. p. 19-20). Ao sujeito cerceado de modo indevido em seu direito de ir e vir, continuará assistindo o direito de impetrar habeas corpus . Argumenta-se, em sentido contrário, que a possibilidade de que o Supremo possa editar uma súmula vinculante impediria a multiplicação inútil de habeas corpus sobre a mesma a matéria (GONÇALVES, 2010, p. 96). O problema desse entendimento resulta na legitimação da corrupção implementada pela impetração sucessiva desse remédio constitucional de liberdade, exacerbando um papel do habeas corpus como instrumento de controle de constitucionalidade das normas penais, matéria para a qual, em princípio, ele não foi desenhado. Quando se verifica que, dentre as inú- meras variedades processuais existentes, a única que rivaliza com o recurso extraordinário em matéria de números é o habeas corpus , conclui-se que alguma coisa de errado se passa com a jurisdição constitucional brasileira. Não se trata, portanto – e convém deixar isso devidamente registra- do –, de uma interpretação que vulnere o âmbito de cabimento do habeas corpus ou mesmo uma posição que represente “flexibilização de garantias fundamentais” (ARAS, 2017 p. 01). Trata-se, tão-somente, de fazer com que a restrição presente na cláusula de foro por prerrogativa de função, quanto ao alcance das autoridades cujo julgamento a Constituição comete ao Supremo, seja efetivamente respeitada. Além disso, é no mínimo discutível entender o próprio cabimento do habeas corpus em casos em que se discute constitucionalidade da lei penal – que conta com a presunção de constitucionalidade em seu favor –, visto 36 SOUZA, Lúcio Ney de. Foro privilegiado. Mossoró: Queima Bucha, 2014, p. 284. Apenas a título de ilustra- ção, a rumorosa “Operação Lava Jato” resultou em mais de 144 condenados no âmbito das justiças federais do Paraná e do Rio de Janeiro. No STF, nenhum detentor de foro privilegiado foi sequer julgado até o momento. Os dados são do site “Congresso em Foco”. Disponível em http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/lava-jato- -ja-condenou-mais-de-140-pessoas-supremo-nao-julgou-ninguem/.
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