Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021
54 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 42-70, 2º sem. 2021 ARTIGOS ocorre na prática, pode-se concluir que, em matéria de habeas corpus , a Cor- te não faz distinção entre o Presidente da República e o cidadão comum: todos têm direito a serem julgados pelo STF. Assustadoramente, a maior parte da doutrina e a quase totalidade da jurisprudência brasileira aceitam de maneira acrítica essa tese ampliativa quanto ao cabimento do habeas corpus 19 . Os poucos constitucionalistas que devotam atenção ao problema limitam-se a fundamentar o cabimento do remédio constitucional com base em um confronto comparativo entre o texto constitucional atual e o precedente, no qual se dispunha ser vedada a hipótese de habeas corpus originário no Supremo Tribunal Federal quando cabível a interposição de recurso ordinário constitucional 20 . Como a Carta de 1988 não detalha semelhante restrição, a apresentação de habeas corpus diretamente no STF não estaria sujeita a qualquer tipo de restrição. À toda evidência, a deturpação resultante desse entendimento é ma- nifesta. Quando toda e qualquer pessoa pode alcançar o STF através da impetração sucessiva de habeas corpus , não é inusitado concluir que esse remédio constitucional passou a desempenhar função paralela ao recurso extraordinário, com o beneplácito da própria Corte 21 . Ao invés de a par- te submeter-se à interposição de vários recursos até finalmente esgotar as instâncias ordinárias e, assim, poder interpor um recurso extraordinário, o paciente apresenta uma sequência preordenada de habeas corpus , cuja prio- ridade de tramitação é ínsita, alcançando idêntico resultado: levar a causa ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal. 19 Ignoram essa problemática, por exemplo, Gilmar Mendes (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de direito constitucional. 7 a . Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 466 e ss.), Manoel Gonçalves Ferreira Filho (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 36 a . Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 346), Zulmar Fachin (FACHIN, Zulmar. Op. Cit., p. 316 e ss.), Walber de Moura Agra (AGRA, Walber de Moura. Op. Cit., p. 590-594) e J. J. Gomes Canotilho (CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 472-476). 20 Cf. art. 119, inc. II, alínea ‘c’, da Constituição de 1967/69. Nesse sentido, cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 360. 21 Pois, como já decidiu o Supremo em mais de uma oportunidade, “não impede a impetração do habeas cor- pus a admissibilidade de recurso ordinário ou extraordinário da decisão impugnada, nem a efetiva interposição deles” (STF – I Turma. HC nº. 85.673/PA. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgado em 31.5.05, publicada no DJ de 24.6.05). No mesmo sentido, cf. STF – I Turma. HC nº. 97.501/RJ. Relatora: Ministra Carmen Lúcia. Julgado em 18.8.09, publicada no DJ de 23.5.11.
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