Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021

53 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 42-70, 2º sem. 2021 ARTIGOS isso, materializa-se a seguinte incongruência: por via transversa, o Supremo Tribunal Federal é levado a julgar por duas vezes o mesmo caso; uma, por via de habeas corpus ; outra, por meio de recurso extraordinário. Disso resulta, pois, uma “dupla análise do mesmo caso pelas Cortes Superiores” (NUCCI, 2014, p. 179). II.2.3 A desvirtuação da competência restrita do Supremo em habeas corpus Como se vê, a impetração sucessiva de habeas corpus para alcançar o STF dá-se através de práxis processual enviesada, permitindo a todo e qual- quer cidadão ter sua causa processada perante a mais alta Corte do país, mesmo que não milite em seu favor qualquer modalidade de foro espe- cial por prerrogativa de função. Essa “estranha mecânica” tem permitido ao Supremo transformar o que antes era um remédio constitucional em verdadeiro instrumento de controle de constitucionalidade (MORAIS, 2017, p. 405 ). No limite, pode-se recorrer a ele até mesmo para discutir os critérios de fixação da pena no caso concreto 16 . A rigor, a atuação do Supremo Tribunal Federal na excepcional via desse remédio constitucional só teria lugar quando as autoridades coatoras estivessem submetidas à sua jurisdição penal ou, quando muito, para esqua- drinhar atos ilegais praticados por Tribunais Superiores em sede de inves- tigação penal originária. Desde há muito, o próprio Supremo pacificou que, em matéria de foro por prerrogativa de função, a competência das Cortes engloba não somente o processo penal em si mesmo, mas também a fase apuratória de natureza pré-processual (inquérito policial) 17 . Logo, somente nos casos em que o presidente do inquérito fosse ministro de Tribunal Su- perior seria cabível a impetração de habeas corpus 18 . Visto não ser isso o que 16 Admitindo o habeas corpus como “instrumento idôneo para o questionamento do cálculo da pena”, cf. STF – II Turma. RHC nº. 88.288/MS. Relator: Ministro Eros Grau. Julgado em 2.5.06, publicada no DJ de 19.5.06. 17 Nesse sentido, cf. STF – II Turma. Rcl. nº. 2349/TO. Relator: Min. Cézar Peluso. Julgado em 10.3.04, publi- cada no DJ de 5.8.05. 18 É o que ocorre, por exemplo, no próprio STF, cujo regimento prevê expressamente competir ao relator sor- teado presidir o inquérito criminal aberto por solicitação do Procurador-Geral da República (cf. art, 21, inc. XV, do RISTF).

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