Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021

52 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 42-70, 2º sem. 2021 ARTIGOS via recursal, uma vez que o habeas corpus tem julgamento prioritário sobre qualquer outra causa. Em princípio, seria o caso de denegação liminar da ordem. Visto que o cidadão investigado não dispõe de foro por prerrogativa de função para ser julgado por um Tribunal Regional Federal 14 , a Corte não teria sequer com- petência para processar o remédio. Na prática, contudo, o Tribunal conhece do pedido, ainda que seja para rejeitá-lo. Abre-se, assim, a via processual para alcançar-se o Superior Tribunal de Justiça, através da impetração de novo habeas corpus . Novamente, ter-se-ia aqui hipótese de rejeição liminar da impetração. Afinal, somente poderia processar o habeas corpus se o cidadão estivesse sendo julgado originariamente pelo Tribunal Regional Federal. Todavia, ao invés de proceder dessa maneira, o STJ recebe o habeas corpus e julga-o. Mesmo que a decisão final seja pelo indeferimento da ordem, a deformação já se instalou. Um sujeito sem prerrogativa de foro terá seu HC julgado pela mais alta Corte do país em matéria de interpretação de lei federal. Daí para consolidar de vez a deformidade, resta apenas mais um passo. Com a denegação da ordem pelo Superior Tribunal de Justiça, o sujeito impetra um novo habeas corpus . Dessa vez, atacando a decisão do STJ no Supremo Tribunal Federal. E assim, como um passe de mági- ca, de habeas corpus em habeas corpus , produz-se a bizarra situação que permite a um cidadão sem foro por prerrogativa de função ter um HC julgado pelo STF 15 . E isso não é o pior. Supondo-se que a decisão do remédio constitucio- nal seja desfavorável ao réu, nada impede que ele venha a percorrer o curso natural do processo e desemboque no STF novamente para julgar sua cau- sa. Uma vez que ele sequer foi julgado pelo juízo de 1º grau em seu mérito, muito menos pelo tribunal correspondente, o sentenciado pode muito bem interpor recursos sucessivos até alcançar a mais alta Corte do país. Com 14 Como ocorre, por exemplo, com os procuradores da República e os magistrados federais. 15 Cf., por exemplo, STF – I Turma. HC nº. 105.613/SP. Relator: Ministro Marco Aurélio. Julgado em 13.12.11, publicada no DJ de 14.2.12.

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