Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021
50 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 42-70, 2º sem. 2021 ARTIGOS persecução estatal. É nisso, aliás, a que se reconduz o foro especial por prer- rogativa de função, alcunhado de maneira imprópria por parte da popula- ção e da comunidade jurídica como “foro privilegiado” 11 . Considerando tratar-se de competência originária, disso resulta que somente dos processos criminais julgados originariamente por Tribunais Superiores poderiam derivar habeas corpus a serem julgados pelo STF. É o caso, v.g., de um Governador de Estado, cujo foro por prerrogativa de função impõe a competência originária do Superior Tribunal de Justiça (NUCCI, 2014, p. 74). Se ocorresse alguma ilegalidade flagrante em seu processo, ele poderia valer-se do habeas corpus e socorrer-se do STF para eliminá-la. Operando-se o raciocínio inverso, pode-se deduzir que um ci- dadão comum, sem prerrogativa de foro, jamais deveria ter a possibilidade de ter um habeas corpus julgado pela Suprema Corte do país. E nem se venha alegar eventual negativa de jurisdição por parte da Suprema Corte. Sem embargo da interdição de acesso pela via do habeas corpus , o cidadão prejudicado poderia sempre valer-se do recurso extraordi- nário para suscitar o debate da questão constitucional alegadamente violada pelo STF (MEDINA, e WAMBIER, 2013, p. 227 e ss). Observe-se um exemplo vulgar: o sujeito é denunciado por um crime qualquer. O juiz recebe a denúncia e transforma o acusado em réu. Em re- gra, deveria seguir-se a produção de provas, defesa e, ao final, uma sentença. Em caso de condenação, caberia apelação ao respectivo Tribunal de Justiça. Se houvesse alguma questão federal a ser discutida, poderia ser interposto o recurso especial, para levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça. Se a violação debatida fosse de nível constitucional, o réu poderia interpor ainda recurso extraordinário para o STF. Logo, não há que se cogitar negativa de jurisdição ao réu comum. 11 A noção de foro por prerrogativa de função como “foro privilegiado” foi desmontada após o julgamento da Ação Penal nº. 470/DF, o famoso caso do “Mensalão”. Somente quando o caso foi julgado os réus deram-se de conta de que, ao contrário do cidadão comum, para quem militam em favor dezenas de recursos previstos no Código de Processo Penal, os cidadãos submetidos à jurisdição penal do STF não dispõem de qualquer outra instância para a qual recorrer. O julgamento do Supremo é definitivo. Logo, os réus ficam privados de uma das mais recorrentes táticas de defesa: protrair o trânsito em julgado até que a prescrição extinga a sua punibilidade.
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