Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021

45 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 42-70, 2º sem. 2021 ARTIGOS abandonam-se critérios exclusivamente jurídicos para optar-se por critérios políticos , formulados a partir de (pré) concepções íntimas do próprio doutri- nador. Assim, as opções legislativas produzidas pelo constituinte deixam de ser firme limite hermenêutico e passam a ser somente um mero inconve- niente retórico (KELSEN, Hans. p. 307) 2 . (HESSE, Konrad, 2009, p. 162). Para além disso, corre-se o risco de dar o primeiro passo na lenta ladeira escorregadia a conduzir ao sincretismo metodológico, misturando premissas de uma hipótese com conclusões de outra, tornando as soluções propostas intelectualmente desonestas 3 (RODRIGUES JR, v. 99, n. 891, p-65-106). Se esse caminho mostra-se mais fácil, afasta o doutrinador, contudo, do teste da realidade . À medida que as hipóteses são formuladas dentro de um ordenamento “ideal”, que só existe na sua cabeça, não há como con- frontá-las com os limites do texto constitucional existente. A construção doutrinária abandona o campo da ciência e reduz-se à pura especulação . Com isso, o leitor perde a capacidade contra-argumentativa , fazendo com que o modelo sugerido torne-se aparentemente isento de problemas (CRUZ, Guilherme Braga da,1954, p.31). 4 Talvez por isso mesmo, tantos doutrina- dores deixam-se seduzir por esse canto de sereia. Silva Ramos reconhece tal precedência quando comenta a natureza eminentemente declaratória das decisões da jurisdição constitucional brasileira, ao afirmar que “a melhor maneira de fazer a Constituição prevalecer sobre atos legislativos que a contrariem é, indubitavelmente, por meio do uso de uma sanção de invalidade, que possa impedir, ab initio ou a partir de determinado momento, passado ou futuro, os efeitos da lei contraventora, retomando-se, aqui, antiga classificação, proveniente do direito romano, segundo a qual as leis perfeitas (leges perfectae) são aquelas que “determinam a nulidade dos atos praticados contra as suas disposições” (RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit., p. 46). 2 Como adverte Hesse, “o texto contém, acima de uma maior ou menor necessidade de interpretação, elemen- tos firmes a respeito dos quais, apesar de interesses e pré-concepções opostos, não cabe discussão” (HESSE, Konrad. Limites da mutação constitucional. Traduzido por Inocêncio Mártires Coelho. In HESSE, Konrad. Temas fundamentais do direito constitucional . São Paulo: Saraiva, 2009, p. 162). Por isso, “declarar vinculante a prática política e, com isso, de fato, a concepção que dispõe de força para impor-se, recusando submeter-se ao texto da Constituição, não significa senão sacrificar uma necessidade vital indiscutível do Estado constitucional – a função racionalizadora, estabilizadora e limitadora do poder que a Constituição assume” (Op. Cit., Loc. Cit.). 3 (RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou Da vocação da doutrina em nosso tempo) . Revista dos Tribunais, v. 99, n. 891, p-65-106, São Paulo: RT, janeiro/2010, p. 83). Há, no entanto, quem defenda o sincretismo metodológico como algo “inevitável e desejável” (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucio- nalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil . Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. LXXXI, p. 233-290. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 234 infra ) 4 Como advertiu certa feita Guilherme Braga da Cruz, “as cousas chegaram a tal ponto, que menos se conhece e estuda nosso direito pelas leis, que o constituem, do que pelos praxistas que o invadiram” (CRUZ, Guilherme Braga da. Formação histórica do moderno direito privado português e brasileiro. Separata da Revista Scientia Ivridica, IV, São Paulo, 1954, p. 31).

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