Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021

223 ARTIGOS Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 211-236, 2º sem. 2021 o seu direito de manter vivas a sua tradição e a sua cultura (até porque, comprovadamente, estas não desrespeitam o lugar de encontro). Podemos perceber essa tradição, por exemplo, a partir da leitura do Manifesto Serra- no – Manifesto Popular elaborado pelo Grupo Serrano (Grupo de Mora- dores dos Campos de Cima da Serra). Em tal documento, é explanado que a cada final de inverno e início da primavera, a sapecada era feita com festa pelos moradores. Após a queima, a comunidade se reunia e comemorava a chegada da nova estação. Enfim, além de sua utilidade prática, a sapecada aproximava as pessoas e se tornou um dado vivo da cultura local. Além disso, a sapecada se caracteriza pelo fogo de baixa intensidade empregado quando o vento não está forte. A cinza produzida pelo fogo possui caráter alcalino e, nesse sentido, diminui a acidez do solo tornando-o mais produtivo (TALDEN; BIM, 2018, p. 2187). Tal prática foi adotada devido às peculiaridades geográficas do local: relevo extremamente aciden- tado, grande pedregosidade e baixíssimo índice de área mecanizável (ape- nas 6% da área total dos municípios dos Campos de Cima da Serra pode ser manejada mediante a utilização de maquinário 16 mecânico 17 ). Em verdade, nos Campos de Cima da Serra, “[...] as queimadas facili- tam o manejo e a limpeza dos campos e contribuem para preservar as pas- tagens naturais, que se apresentam rapidamente mais verdes, tenras e apre- ciadas pelos animais” (RECH, 2011, p. 40). Ademais, do ponto de vista da sustentabilidade socioambiental dos Campos de Cima da Serra, “o melho- ramento do campo nativo via queimadas seria a melhor opção para ganhos de produtividade, tendo a melhor relação custo/benefício, principalmente em terras de difícil manuseio com máquinas tradicionais” (GONÇALVES, 2011, p. 161). Além disso, a atmosfera do local também não é atingida pela 16 Segundo Alindo Butzke e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger, “[...] a roçada mecânica é praticamente inviável na maioria das áreas devido ao relevo desfavorável e à pedregosidade na região. Os dados levantados mostram que apenas 6% da área total dos Campos de Cima da Serra, no Rio Grande do Sul, é passível dessa prática agrícola.” (BUTZKE; SPARREMBERGER, 2011, p. 30). 17 Dados coletados na introdução do projeto de pesquisa “Uso do Fogo como Prática Agropastoril na Mi- croregião Homogênea dos Campos de Cima da Serra: Análise da Situação Atual e Busca de Um Modelo de Desenvolvimento Sustentável”, realizado pelo Departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Caxias do Sul (UCS) sob a coordenação do Prof. Dr. Alindo Butzke. (BUTZKE; DALLA ROSA, 2011, p. 209).

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