Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021
222 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 211-236, 2º sem. 2021 ARTIGOS tico da validade cultural, heurística e pragmática da norma (princípios e regras) jurídica na perseguição da melhor adequação das relações jurídicas à finalidade do Direito ao atender às necessidades humanas. Afigura-nos um conceito de efetividade como a concretização (e complementaridade da eficácia formal) da norma (princípios e regras) prevista no mundo jurídico incidente no mundo fático realizando-se, implicando na funcionalização social do Direito, onde o dever-ser passa a ser acontecimento na realidade social. Aí mesclam-se os sentidos de eficácia jurídica e eficácia social sem, no entanto, deformar os âmbitos semiológicos de cada expressão. Seja como for, nos Campos de Cima da Serra, a criação de gado de corte já foi a atividade econômica mais rentável da região. Para tanto, houve destacado o uso das queimadas que, sem a prática da devida técnica das queimadas controladas, acarretava em desastres ambientais. Para evitar es- ses desastres, a queimada controlada é feita com fogo de baixa intensidade, que nunca atinge temperaturas elevadas. Tal técnica é utilizada há cerca de dois séculos, a cada final de inverno 13 , para eliminar a macega seca e renovar as pastagens para o alimento do gado. Como a queima do campo ocorre uma única vez, após o inverno, acabou se transformando em uma tradição passada de pai para filho, vale dizer, a queima se transformou em um fenô- meno intergeracional. 14 E, enquanto tradição 15 , a sapecada foi incorporada à cultura local e faz parte da dignidade da comunidade. Ora, se a dignidade é “atribu- to emprestado ao humano”, digno é reconhecer ao ser humano do campo 13 Cumpre lembrar que, no período da “sapecada”, mês de agosto, não há filhotes de animais no campo, porque os ninhos são feitos a partir de setembro, início da primavera. Além disso, após essa prática, nunca se encontrou qualquer animal queimado ou asfixiado, razão pela qual ela não ocasionou a extinção de nenhuma espécie animal da região. Dados publicados no Manifesto Serrano – Manifesto Popular elaborado pelo Grupo Serrano (Grupo de Moradores dos Campos de Cima da Serra). Nesse mesmo sentido, Aline Maria Trindade Ra- mos e Anelise Trindade Ramos aduzem que: “[...] ao passar a máquina (trator), a toca de animais da fauna local é desmanchada. Um exemplo é o tatu, que não tem tempo de sair da toca e perde sua morada. Na queimada controlada, nada acontece com sua casa (toca), é muito rápido, o animal não precisa escolher outro local para morar, não precisa fugir e, ainda, nada acontece a seus filhotes.” (RAMOS; RAMOS, 2011, p. 185). 14 Rogério Rammê explica que a “[...] preocupação com as futuras gerações ganhou ainda maior notoriedade com a Declaração de Estocolmo em 1972. Nela as futuras gerações passaram a ser objeto de considerações jurídicas mais abrangentes ligadas à tutela do meio ambiente.” (RAMMÊ, 2012, p. 121). 15 Assevera Molinaro que “[...] para a tradição e para as crenças republicanas, o indivíduo só o é em comuni- dade.” (MOLINARO, 2006, p.111).
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