Direito em Movimento - Volume 19 - Número 2 - 2º semestre - 2021

214 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 2, p. 211-236, 2º sem. 2021 ARTIGOS realização dos direitos fundamentais, que se propõe a criação de legislação, em âmbito municipal, para permitir a prática da queimada controlada nos Campos de Cima da Serra. À luz da fundamentalidade do meio ambiente, inaugura-se o exame da interação do homem com o meio ambiente, de- nominando-o, na bela expressão de Carlos Alberto Molinaro 1 - 2 - 3 , como “lugar de encontro”. E, em observações pontuais articuladas, percebe-se que o uso do fogo, no manuseio do campo, é uma tradição intergeracional, cul- turalmente utilizada na região. 2. Competência Legislativa Municipal para Le- gislar sobre Queimadas Controladas nos Cam- pos de Cima da Serra O meio ambiente é direito fundamental da pessoa humana. 4 É um direito primacial intrinsicamente arraigado à realidade social, caracterizada pela sociedade de massa, em que o crescimento desordenado e brutal de- ságua em tempos de globalização. É nesse contexto de globalização que a tutela ambiental jurídica manifesta-se como alternativa à proteção da na- tureza. Nesse viés, a tutela jurídica do meio ambiente emerge com a neces- sidade, cada vez maior, de coibir a degradação do lugar de encontro (para que este não se transforme em lugar de desencontro), onde as ameaças am- bientais se transformam em realidade, em um horizonte onde é perceptível 1 Molinaro, ao aprofundar seu estudo sobre o ambiente como um lugar de encontro, traz como exemplo as culturas africanas. Nesse sentido, pontifica que “a diferenciação é considerada como essencial e pré-requisito funcional para que cada um seja indispensável ao outro. Isso porque, na cultura africana, somente podem viver juntos aqueles que são diferentes, tendo em vista que, na perspectiva africana do mundo, a vida é um processo em que cada um se identifica progressivamente, não com o outro, do qual deve reivindicar sua diferença, mas com a totalidade da comunidade, vale dizer, com a vida cósmica e, especialmente, com a vida divina; aqui evidencia-se um matiz forte de um ‘mínimo existencial ecológico’ como núcleo material do princípio da dignida- de humana (MOLINARO, 2006, p. 109–110). 2 “[...] não estamos sós, neste ‘lugar de encontro’, onde somos o encontro; somos com o outro desde uma relação de reconhecimento, respeito, reciprocidade e responsabilidade.” ( MOLINARO, 2006, p. 107). 3 Pontifica Molinaro que “Ambiente, já afirmamos, é relação. Ambiente – no sentido de meio ambiente – pode ser definido como um lugar de encontro” (MOLINARO, 2006, p. 55). 4 Acentua Délton Winter de Carvalho que “O direito fundamental ao meio ambiente acompanha, portanto, estas sedimentações históricas e sociais, na formação de uma dupla natureza, uma subjetiva e uma objetiva, ou seja, uma individual e outra transindividual. Como um bem jurídico autônomo e unitário, o meio ambiente adquire uma relevância simultaneamente de direito fundamental da personalidade, como direito subjetivo de caráter público, bem como um direito fundamental de natureza transindividual (difusa ou coletiva).” (CARVA- LHO, 2008, p. 31).

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz