Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021

48 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 35-56, 1º sem. 2021 ARTIGOS dada a diferença de níveis em que os dois elementos estão situados. Por um lado, há a afirmação geral, filosófica, se preferir, de um sujei- to político e, por outro lado, a adoção de um procedimento prático de escolha. Desta forma, na eleição democrática, um princípio de justificação e uma técnica de decisão são misturados. Sua rotina de assimilação acabou encobrindo a contradição latente que os subten- dia. De fato, ambos os elementos não são da mesma natureza. Como procedimento, a noção de maioria pode ser facilmente imposta ao pensamento, mas o mesmo não é verdadeiro se for entendido so- ciologicamente. Nesse caso, adquire uma dimensão inevitavelmente aritmética: designa o que resta uma fração, mesmo que predominan- te, das pessoas (tradução nossa) 3 . (ROSANVALLON, 2009, p. 22) Desse modo, percebe-se a existência de inúmeras influências capazes de negativar a democracia e acorrentá-la a um retrocesso social e histórico, diante da hostilidade a qual leva o ser humano a criar mecanismos de defesa e reconstruir normas capazes de amoldar as situações que lhe convêm dian- te da ausência de um reconhecimento estatal. Assim, cria-se um direito dos excluídos, visto como um ordenamento paralelo, ou, “em outras palavras, uma teoria da democracia não pode ter o fim apenas de retratar ou declarar os valores que a sociedade historicamente aceita como democráticos, mas de esclarecer a maneira de construir, manter ou alterar esses valores.” (AL- MEIDA,2005, p.34). Ante a ausência da proximidade decisória, colide com a crise demo- crática, acorrentada à incerteza de novas interpretações estatais e a criações paralelas de normas e leis que se formam sem a legitimação do Estado, para esquivar-se da consequência maléfica do poder, uma consequência inevitá- vel assim apontada por Tavares (2004, p.354): “O poder, quando não estiver 3 Texto original: Sin embargo, el pasaje de la celebración del Pueblo o de la Nación, siempre en singular, a la regla mayoritaria no cae por su propio peso, dada la diferencia de niveles en la que se sitúan los dos elementos. Por un lado, se encuentra la afirmación general, filosófica si se quiere, de un sujeto político y, por el otro, la adopción de un procedimiento práctico de elección. De esta manera, en la elección democrática se mezclan un principio de justificación y una técnica de decisión. Su rutinaria asimilación terminó por encubrir la contradicción latente que los subtendía. En efecto, ambos elementos no son de la misma naturaleza. En tanto procedimiento, la noción de mayoría se puede imponer fácilmente al pensamiento, pero no ocurre lo mismo si se la entiende de manera sociológica. En este caso, adquiere una dimensión inevitablemente aritmética: designa lo que sigue siendo una fracción, aunque sea predominante, del pueblo.

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