Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021
38 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 35-56, 1º sem. 2021 ARTIGOS Tal questão coloca em pauta a convicção tradicional de legitimidade, em que apenas se atribui ao Poder Público a competência para elaboração de leis, sob o argumento de que os parlamentares foram votados pelo povo e, ao representá-lo, suas decisões tornam-se as únicas legítimas. Isso porque, se o modelo da democracia hodierna não consegue assegurar que todos os grupos tenham conhecimento e resguardo de direitos, outra alternativa não restou aos grupos segmentados senão a elaboração de suas próprias normas. Nesse trâmite, o presente trabalho tem como premissa geral cotejar a atual crise de legitimidade do Estado de Direito com o surgimento de uma normatividade não estatal. Com efeito, passa-se a reconhecer a coexistência de várias normas vigentes em um mesmo local, dando ensejo a um orde- namento não jurídico, o qual, muitas vezes, pode complementar a ordem estatal ou até ser contrária a ela, em oposição a uma proposta exclusivista de monismo estatal. Em decorrência disso, essas formas não estatais de poder passam a ser compreendidas como formas alternativas de direito, seja como resultado de uma forma arbitrária de poder local, seja em função da criação de sociabili- dades alternativas, mas que podem ser legitimadas pelo próprio fenômeno social e cultural, na medida em que as normas são mais próximas de seus destinatários e dentro da realidade vivenciada. Esse ordenamento não ju- rídico não decorre de um contexto democrático-representativo, o que não o legitima juridicamente. O que se propõe à reflexão é que essas normas passam por um processo de legitimação social, seja porque essas normas são aceitas pela sociedade de forma passiva, seja porque a própria sociedade delega ao chefe local o poder de editar tais normas. Este estudo surgiu de uma inquietação na medida em que se verificava que boa parte da população não se encontra satisfeita com as respostas que o ordenamento jurídico oferece aos problemas sociais, tanto em termos de normas quanto em termos políticos e de decisões judiciais. Verifica-se que essa incapacidade de o Direito estatal suprir as expectativas sociais deriva do fato de que, na maioria das vezes, as normas não se atrelam a fatores sociais, históricos e políticos.
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