Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021
26 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 15-34, 1º sem. 2021 ARTIGOS da, buscando preservar uma originalidade que não existe mais. A solução encontrada, então, é a perpetuação da situação de ilegalidade dos assenta- mentos, fechando os olhos para a sua existência e para os problemas que os cercam, com o objetivo de se fazer crer no tal “mito moderno da natureza intocada” (DIEGUES, 1996). Arruda (1999, p. 83-84) contesta a posição adotada de que “as co- munidades locais são incapazes de desenvolver um manejo mais sábio dos recursos naturais”. Em primeiro lugar, pelo já mencionado deslocamento dos maiores interessados do protagonismo de decisão, em segundo lugar, porque as decisões sobre a questão são corriqueiramente sigilosas, tornan- do-se públicas apenas com a edição de leis, no intuito de impedir qualquer manifestação advinda de civis e movimentos sociais. Ainda que este modelo possa ser relativamente adequado aos EUA, dada a existência de grandes áreas desabitadas, sua transposição para o Terceiro Mundo mostra-se problemática, pois mesmo as áreas consideradas isoladas ou selvagens abrigam populações humanas, as quais, como decorrência do modelo adotado, devem ser retiradas de suas terras, transformadas de agora em diante em unidade de con- servação para benefício das populações urbanas (turismo ecológico), das futuras gerações, do equilíbrio ecossistêmico necessário à hu- manidade em geral, da pesquisa científica, mas não das populações locais (ARRUDAS, 1999, p. 84). A relação de comunhão com o meio que cerca os povos originários e o valor empregado ao senso de coletividade é muito diferente da rivalização com o meio ambiente aplicada ao cotidiano daqueles que os expulsaram anteriormente das regiões centrais. Assim, qualquer lei que não faça o re- corte de classe, raça e gênero mostra-se insensível em relação a esses povos e ao meio ambiente em si, pois os coloca numa condição de falsa simetria com o desmatamento e a desertificação do solo provocados pelo agrone- gócio, a verdadeira causa dos problemas ambientais mais nocivos do país. Dessa maneira, o que se propõe com a regularização fundiária, ao tra- tar de assentamentos informais consolidados, é a reparação das condições
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