Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021
253 ARTIGOS Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 240-268, 1º sem. 2021 É possível constatar a influência do gênero nas leis quando se apura, por exemplo, que o voto feminino veio garantido em inúmeras legislações, em várias partes do mundo ocidental, somente em pleno século XX. Ou quando se analisam os bens jurídicos tutelados pelas normas pe- nais brasileiras ao longo do tempo: o Código Criminal do Império situava o estupro e o rapto como crimes contra a honra, nos artigos 219 a 228; ou seja, não era a liberdade sexual da mulher o bem protegido pelo Direito, mas a honra e a imagem que a mulher deveria manter perante a comunida- de, relacionada a um juízo de valor quanto à sua moralidade e sexualidade. No Código Penal de 1890, as transgressões passaram a integrar os deli- tos contra a segurança da honra (como juízo de moralidade sexual) e a ho- nestidade das famílias e do ultraje público ao pudor, nos termos dos artigos 266 a 272; a lei penal, nesses casos, procurava tutelar a honra e a honesti- dade das famílias ou decoro público, deixando de proteger, uma vez mais, a liberdade sexual da mulher. Já no Código Penal de 1940, as infrações passaram a ser capituladas como crimes contra os costumes, mais uma vez sendo a moralidade o bem jurídico então escolhido para proteção pelo Direito, sem que a mulher em si fosse resguardada. Na Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, em relação ao de- lito de sedução, então capitulado no artigo 217, ora revogado, o legislador re- velou toda a influência patriarcal por trás da elaboração do referido tipo penal: 71. Sedução é o nomen juris que o projeto dá ao crime atualmen- te denominado defloramento. Foi repudiado este título, porque faz supor como imprescindível condição material do crime a ruptura do hímen ( flos virgineum ), quando, na realidade, basta que a cópula seja realizada com mulher virgem, ainda que não resulte essa ruptura, como nos casos de complacência himenal. O sujeito passivo da sedução é a mulher virgem, maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos. No sistema do projeto, a menoridade, do ponto de vista da proteção penal, termina aos 18
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