Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021

25 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 15-34, 1º sem. 2021 ARTIGOS que muitas vezes acaba sendo utilizado como escusa para justificar a inope- rância do poder público. (HENKES, 2005, p. 152). Henkes (2005) ainda chama atenção para outra inviabilidade de con- sagração do direito à moradia: a manutenção do meio ambiente equilibra- do em áreas protegidas. A colisão deve ser solucionada, segundo a autora, por uma resolução quantitativa: opta-se pela prevalência do princípio da proporcionalidade, visto que o meio ambiente pertence à coletividade, in- cluindo as gerações que estão por vir, e, dessa forma, devemos utilizar os recursos existentes de forma sustentável. Em caso de impossibilidade de manutenção ou reparação dos danos, a proposta sugerida é que a moradia seja estabelecida em lugar diverso. (HENKES, 2005, p. 152, 153) Historicamente, a organização dos povos originários passa pelo con- tato íntimo com as áreas de ambiente natural, explorando os seus recursos de maneira não predatória, o que possibilitou a manutenção do modelo so- ciocultural existente nas comunidades. (ARRUDA, 1999, p. 82-83). Ainda que sejam notórios os manejos adaptados pelos povos tradicionais, desen- volvidos por métodos geracionais e pela oralidade, respeitando os processos naturais, a sua participação é preterida quando se trata de pensar em solu- ções para o desenvolvimento de políticas públicas no setor do urbanismo social e de proteção ambiental. É irônico, nesse contexto, pensar na ideia de que aqueles que são os primeiros a sofrerem os impactos ambientais são justamente últimos a serem prestigiados pelos investimentos públicos. (ARRUDA, 1999, p. 83). O afastamento deles do centro de decisão é o que o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 29-30) chama de “desperdício da experiência”, quando se nega um frutífero diálogo pro- posto pela ecologia dos saberes e prefere-se uma visão de mundo engessada, na qual não são aceitas novas propostas alternativas da realidade. O que hodiernamente se apresenta é um modelo de unidades de con- servação que trata o contato do homem com a natureza como uma relação sempre de malefício. Não poderia mesmo ser outra visão, já que as lentes utilizadas não são daqueles que vivem ao redor dessas regiões. De tal modo, recai-se numa falsa concepção de preservação de uma natureza inaltera-

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz