Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021

244 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 240-268, 1º sem. 2021 ARTIGOS De outro lado, a mulher era considerada eminentemente um ser lascivo, insaciável, pervertido, de beleza demoníaca e capaz de provocar o enfraquecimento do homem, o que criou o ambiente próprio para a caça às bruxas, em fenômeno com caráter eminentemente sexista (PE- DRINHA, 2009). O movimento liberal em fins do século XVIII e no início do século XIX trouxe noções de indivíduo, autonomia, propriedade privada, igual- dade, liberdade, segurança e contrato, que erigiram o conceito de cidadão. As mesmas, contudo, segundo Pateman (1993), foram negadas às mulheres quando da elaboração do contrato social entre os indivíduos, porquanto realizou-se, concomitantemente, um pacto sexual que estabeleceu o poder político dos homens sobre as mulheres, a constituir, a um só tempo, tanto a liberdade civil daqueles, quanto a sujeição destas aos primeiros. Ou seja, um ajuste entre irmãos, maridos, cidadãos e trabalhadores, no qual as mu- lheres eram o objeto contratual, transmudando o patriarcado clássico num patriarcadofraternal moderno. Sob as diretrizes teóricas do positivismo de Augusto Comte e da evolução das espécies de Charles Darwin, o contro- le social da sexualidade por meio da religiosidade transmudou-se para o discurso médico e jurídico, autorizando a percepção de que os melhores e mais evoluídos tinham o direito natural de domínio sobre indivíduos menos evoluídos, o que deu ensejo a uma separação entre os papéis sexuais, justificando a hegemonia do sexo masculino (PEDRINHA, 2009). O positivismo criminológico de Lombroso, com concepções do crimi- noso no Direito Penal e na Medicina, rotulou indivíduos supostamente mais inclinados a condutas desviantes e estabeleceu um modelo comportamental, inclusive no âmbito da sexualidade (PEDRINHA, 2009). Em meados do século XIX, a Medicina, cuja maior preocupação era assegurar a força de trabalho, viu na pobreza o maior perigo da sociedade, não somente por sua força revolucionária, mas igualmente por razões sani- tárias, por ser portadora e transmissora de doenças. Fez-se rígido o controle sobre as habitações das camadas mais humildes da sociedade, com o com- bate às doenças venéreas e outras oriundas da promiscuidade e insalubri-

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