Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021

243 ARTIGOS Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 240-268, 1º sem. 2021 a desempenhar o papel do Outro, a mulher também estava conde- nada a possuir apenas uma força precária: escrava ou ídolo, nunca é ela que escolhe seu destino. (BEAUVOIR, 2016, p. 112). A maternidade atrelava a mulher ao próprio corpo, o que inaugurou a divisão sexual do trabalho. Quando o homem percebeu que a agricultura decorria de sua atuação e ao constatar sua participação na fecundação humana, reivindicou a um só tempo a propriedade e os filhos e, a partir de então, a trajetória da mulher permaneceu atrelada à da propriedadeprivada, confundindo-se em grande parte com a história da herança (BEAUVOIR, 2016). Entre as populações gregas e itálicas, a religião, com características domésticas e de culto ao ancestral falecido, era transmitida pela linhagem masculina, com controle sobre a sexualidade, na medida em que o local de suas práticas deveria manter-se casto, afastado de atos tido como impuros, qual o ato sexual (PEDRINHA, 2009). Com o passar dos tempos, a religião englobou a comunidade e se as- sociou à mitologia e, em seguida, às crenças judaico-cristãs, momento em que a figura masculina adquire importância ainda maior, diante dos mitos da criação do mundo, com destaque para as ideias de tentação, aceitação, vergonha, condenação e expulsão do paraíso, relacionadas às noções de pe- cado, culpa, sexualidade, crime e castigo. Na Idade Média e início da Idade Moderna, o poder político e reli- gioso sob autoridades eclesiásticas autorizou que questões morais fossem tratadas no plano jurídico, para julgamento dos denominados crimes contra a fé, a moral e os bons costumes, cujo ponto culminante esteve na Inquisi- ção e no Tribunal do Santo Ofício, com ampla utilização de instrumentos de suplício físico, tanto com vistas a fazer o indiciado confessar seus delitos, quanto para expurgá-los. De um lado, certas virtudes moldavam o modelo comportamental ideal da mulher, próprias da Virgem Maria: castidade, virgindade e pureza (PEDRINHA, 2009).

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz