Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021
226 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 205-239, 1º sem. 2021 ARTIGOS “O juízo ‘bom’ não provém daqueles aos quais se fez o ‘bem’! Foram os ‘bons’ mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensa- mento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, e vulgar e plebeu (NIETZSCHE, 1999, p. 11). O autor analisa que o valor do bom para os “senhores” não possui o sentido de bem, e sim de superioridade, de nobreza, de poder, em oposi- ção ao valor de ruim, vulgar, plebeu. A concepção dos valores de bom, dos “senhores”, pode ser compreendida a partir do antônimo da palavra bom, que seria a palavra ruim. Na concepção da moral dos “senhores”, o bom está ligado ao caráter da técnica, da habilidade, da superioridade. Ao agir como superiores, tomaram para si o direito de criar valores ao “bom”, valores que o importavam, que possuíam utilidade. Os escravos usam o termo bom como o antônimo do termo mal, e não o termo ruim, conforme a moral dos senhores. A análise do termo mal es- taria ligada à crueldade, e não à técnica valorada pelos senhores. A avaliação do mal a partir da crueldade faz surgir uma avaliação moral, e não técnica. Esse “ruim” de origem nobre e aquele “mau” que vem do caldeirão do ódio insatisfeito — o primeiro, uma criação posterior, secundária, cor com- plementar; o segundo, o original, o começo, o autêntico, feito na concepção de uma moral escrava —, como são diferentes as palavras “mau” e “ruim”, ambas aparentemente opostas ao mesmo sentido de “bom”: perguntemo- nos quem é propriamente “mau”, no sentido da moral do ressentimento. A resposta, com todo o rigor: precisamente o “bom” da outra moral, o nobre, o poderoso, o dominador, apenas pintado de outra cor, interpretado e visto de outro modo pelo olho de veneno do ressentimento. Por intermédio da concepção da moral dos escravos, a moral passa a ter um valor de ressentimento, de reação ao que vem de fora. Seu conceito original é “mal”, e o valor do bom seria o antagonismo com o valor do ho- mem mal, do dominador, do cruel, do nobre. Com a análise dos valores de duas classes, senhores e escravos, é possível compreender que existem duas origens na forma de valorar a moral de maneira distinta: a moral avaliada
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