Direito em Movimento - Volume 19 - Número 1 - 1º semestre - 2021
171 ARTIGOS Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 19 - n. 1, p. 150-179, 1º sem. 2021 Dentro dessa perspectiva, observa-se que a expressão “divulgação de informação que sabe ser manifestamente falsa” deve ser interpretada com certas ressalvas, visto que nem sempre será possível ter certeza de que a informação é manifestamente falsa 11 , em razão dos artifícios de descon- textualização proposital, ou mesmo supressão e omissão de partes do fato que eventualmente possa ter ocorrido, resultando na divulgação parcial ou incompleta de uma informação, o que não a torna manifestamente falsa, e sim distorcida 12 . Outrossim, sendo a informação um conteúdo objetivo, logo, uma opi- nião transvestida de informação ou uma informação transvestida de opi- nião não seriam consideradas como atos de improbidade administrativa e crimes de responsabilidade, para fins legais, pelo fato de o controle de fatos e informações poder ser realizado, diferentemente do caso das ideias, cujo escrutínio de aferir veracidade ou falsidade, validade ou não, e importância ou não pertencem unicamente ao indivíduo, não cabendo ao Estado “esta- belecer quais as opiniões que merecem ser tidas como válidas e aceitáveis” (MENDES; BRANCO, 2020, p. 268-269). 11 Nesse aspecto, Garcia e Alves (2014, p. 433-436) aduzem que a prática dos atos de improbidade previstos no art. 11 exigem dolo do agente por três fatores. O primeiro diz respeito ao fato de que a reprovabilidade da conduta só pode ser imputada a quem a praticou voluntariamente, o que se vincula ao segundo fator, referente à disposição de culpa somente no art. 10, o que exclui esta hipótese dos demais dispositivos. E, por fim, a ausên- cia de normatização expressa sobre a responsabilidade objetiva no art. 11. Assim, a locução “que sabe”, contida na expressão “informação que sabe ser manifestamente falsa”, diz respeito ao dolo do agente em divulgar a informação mesmo conhecendo a sua falsidade. Portanto, uma eventual divulgação culposa de informação falsa não incidiria no âmbito da norma contida no Projeto de Lei nº 632/2020. 12 Aliás, era nesse sentido o art. 4º, II, da versão original do Projeto de Lei nº 2.630/2020, que cria a Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, ao conceituar o que seria desinformação, para fins legais: “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial para causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia”. A referida definição foi retirada da versão do projeto aprovado no Senado Federal, visto que, segundo o relator senador Angelo Coronel (PSD/BA), apesar de não serem passíveis de verificação e, consequentemente, de classificação como informação ou desinformação as “manifestações de opiniões, trabalhos intelectuais, doutrinas religiosas, convicções políticas ou filosóficas”, ainda assim poderiam ser consideradas como desinformação manifestações protegidas constitucionalmente, o que depende muito “do olhar de quem avalia.” Outrossim, a atividade de rotular uma informação como falsa é uma manifestação de opinião: a opinião do verificador. Assim, ainda segundo o relator do projeto, não parece seguro estabelecer normativamente que alguém possa classificar um conteúdo como desinformação ou não, por não parecer ser possível “estabelecer um conceito desse fenômeno sem oferecer risco à liberdade de expressão”. Outrossim, encerrou o relator que a definição do que seria desinformação talvez ainda “necessite de mais debates”, questão que passa por diversos níveis, como a educação midiática, para o uso das redes. Assim, não havendo um debate de caráter público e social, não se deve pular etapas e transformar a referida definição em um conceito jurídico (BRASIL, 2020a, pp. 2, 6-7 e 22).
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