Direito em Movimento - Volume 18 - Número 3 - Edição Especial

147 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 3, p. 128-153, 2020 - Ed. Especial ARTIGOS O dinamismo da sociedade brasileira, visto do ângulo de devir, teve a grande contribuição do quilombola, dos escravos que se margina- lizavam do processo produtivo e se incorporavam às forças negativas do sistema. Desta forma, o escravo fugido ou ativamente rebelde desempenhava um papel que lhe escapava completamente, mas que funcionava como fator de dinamização da sociedade. As formas “ex- tra legais” ou “patológicas” de comportamento do escravo, segundo a sociologia acadêmica serviram para impulsionar a sociedade bra- sileira em direção a um estágio superior de organização do trabalho. O quilombo era o elemento que, como sujeito do próprio regime escravocrata, negava-o material e socialmente, solapando o tipo de trabalho que assistia e dinamizava a estratificação social existente. Ao fazer isto, sem conscientização embora, criava as premissas para a projeção de um regime novo no qual o trabalho seria exercido pelo homem livre e não era mais simples mercadoria, mas vendedor de uma: sua força de trabalho (1891, p. 247). Almeida e Vellozo afirmam que a propriedade de escravos era al- tamente difundida no período imperial, razão pela qual a escravidão era um grande pacto de todos contra os negros escravizados, uma vez que havia o interesse geral na continuidade do regime escravagista (2019, p. 2137-2160). Para os autores, o fato de até mesmo um pobre camponês ter acesso à propriedade de escravos justifica, juntamente com a lógica do favor de Schwarz, a estabilidade da sociedade brasileira oitocentista. Tal estabilidade, devido à “democratização” da propriedade de negros es- cravizados, só corrobora para o papel nodal da resistência exercida pelos quilombos para a abolição da escravatura e a ruptura mais significante em termos de modo de produção no Brasil, uma vez que não era interesse social comum o fim do regime. Todavia a discriminação racial permanece no Brasil do século XXI, ra- cismo esse que, como já posto, é estrutural. Os quilombos, apesar de toda a inclusão como patrimônio histórico e cultural brasileiro, seguem resistindo aos modi operandi na produção agrícola brasileira e aos diversos interesses privados que condicionam as políticas públicas de preservação e valorização das comunidades quilombolas. Sem vias de dúvidas, as titulações de ter-

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