Direito em Movimento - Volume 18 - Número 3 - Edição Especial

145 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 3, p. 128-153, 2020 - Ed. Especial ARTIGOS emprego de mão de obra escravizada. Essa linearidade permitiu que a in- dústria açucareira perdurasse por três séculos frente a crises internacionais e baixa dos preços do açúcar, uma vez que os gastos permanentes dos donos de engenhos e plantações de cana-de-açúcar eram mínimos, basicamente a manutenção das estruturas e da mão de obra escravizada, que, em tempos de recessão, era poupada ou utilizada em alguma melhoria estrutural das posses desses senhores de escravo. Em apertada síntese, segundo Furtado, a economia exportadora-escravista não permitia uma articulação entre a pro- dução e o consumo. Nesse sistema, a única renda afetada pelo crescimento ou pelo retrocesso é o lucro dos empresários, que estavam sempre seguros, uma vez que a recessão indica a possibilidade de utilização da mão de obra em âmbitos diversos (2001, p. 41-46). É inegável que a economia colonial foi inteiramente pautada no escravismo, razão pela qual o fim das importações de negros africanos escravizados não era condizente com os interesses da Metrópole ou de qualquer império europeu que se beneficiava comercialmente das empre- sas agrícolas estabelecidas nas Américas, assim como não era interesse, por óbvio, dos senhores de escravos da colônia portuguesa. Mesmo na era dos direitos individuais, diante da revolução francesa, percebe-se que apenas faz jus aos direitos individuais o indivíduo proprietário. Nessa perspectiva, Tárrega afirma que o direito moderno opera como mecanismo de coerção para a manutenção do escravismo. Mais precisamente: A noção de sujeito de direito é uma construção histórica do liberalis- mo, que afere capacidade do sujeito a partir do potencial econômico de circulação de riquezas. Assim, o direito moderno legitimou a hege- monia dos senhores de escravo e a inexistência de direitos aos cativos, mas criou as condições necessárias para a insurgência e o devir de re- sistência do ser escravizado, no âmbito de sua humanidade prorrogada (2018, p. 122). Não há que se delongar sobre a relação imbricada do aparelho polí- tico e jurídico na manutenção da escravidão e do racismo como meios de concretização dos interesses econômicos que dependem da discriminação

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