Direito em Movimento - Volume 18 - Número 3 - Edição Especial

131 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 3, p. 128-153, 2020 - Ed. Especial ARTIGOS Para a autora, a ausência de titulação incita recorrentes conflitos den- tro de um sistema jurídico que hipervaloriza a propriedade; os números de- monstram um aumento da quantidade de quilombolas mortos por conflitos agrários de 350% ao ano (TÁRREGA, 2018, p. 136). Parece que o modelo de produção constituído histórica e culturalmente dessas comunidades es- tão em contramão com os interesses dos exportadores de commodities , o que conduz novamente ao questionamento de como as estruturas estatais são apropriadas para a defesa de interesse privado, deixando de alocar esse problema na agenda governamental de políticas públicas. Para elaborar tais discussões, este artigo se divide em duas partes. A primeira apresenta apontamentos à sistematicidade do racismo, juntamente com o surgimento do Estado brasileiro, comparando-os com sociedades pré-modernas, a fim de entender esses fenômenos contextualizados tempo- ralmente com as necessidades expansivas do capitalismo. Ainda nessa pri- meira, parte traz questões relativas ao patrimonialismo nesse contexto. Na segunda parte, oferece questões relativas ao quilombo enquanto resistência histórica e aos desafios para a titulação de suas terras. O tópico subsequente tratará das considerações finais. Este artigo é parte integrante dos resultados de um plano de trabalho de iniciação científica, cujo principal objetivo é discutir o jogo de interes- ses presentes na abolição da escravidão no Brasil, investigando a existência e influência de padrões patrimonialistas de organização do poder, que se desenvolveu no bojo do projeto de pesquisa na Pontifícia Universidade Ca- tólica de Goiás, coordenado pelo doutor Gil César Costa de Paula: Estado Contemporâneo - Patrimonialismo e Privatização. 2. RACISMO ESTRUTURAL, FORMAÇÃO DO ESTADO BRASI- LEIRO E A QUESTÃO DO PATRIMONIALISMO A raça como elemento de diferenciação entre pessoas é um fenômeno moderno, de meados do século XVI (ALMEIDA, 2019, p. 18), que foi pos- sível graças à mudança ocorrida na leitura do homem no mundo. Se antes ele se sentia parte de uma criação divina ou da natureza, o abandono do

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