Direito em Movimento - Volume 18 - Número 3 - Edição Especial
130 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 3, p. 128-153, 2020 - Ed. Especial ARTIGOS A utilização do aparelho jurídico e político do Estado para interesses privados de elites dominantes é usualmente estudada pelo viés culturalista de interpretação brasileiro. O patrimonialismo é explicação recorrente, pre- sente em Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Florestan Fernan- des, entre outros intelectuais brasileiros. Nesse sentido, este artigo discorrerá sobre a impessoalidade e imparcialidade estatal, com criticidade quanto à relação sobreposta do próprio surgimento do Estado moderno e contempo- râneo enquanto pressuposto de existência do capitalismo. O que se propõe são algumas observações sobre a formação do Estado brasileiro, tentando uma abordagem sobre o patrimonialismo e suas imbricações na questão da abolição da escravidão, fazendo um contraponto com a atualidade no que diz respeito às políticas públicas de titulação dos territórios quilombolas. A compreensão do significado histórico do quilombo é essencial, so- bretudo porque as comunidades remanescentes de quilombo parecem ocu- par lugar de resistência semelhante ao do passado. Clóvis Moura é referen- cial para essa discussão pela sua precursão nos estudos da historiografia dos quilombos e percepção de que estes ocuparam lugar de resistência frente ao modo de produção escravista, exportador e irracionalmente exploratório adotado no período colonial, sendo o quilombo organização política com ideais que iam além da libertação individual dos negros escravizados. Na atualidade, muitos são os desafios das comunidades remanescentes de qui- lombo, notadamente no que diz respeito à titulação de suas terras, prevista no artigo 68 do ADCT, com força constitucional. Segundo dados divul- gados pelo INCRA, entre os anos de 2005 e 2018, apenas 125 comunida- des foram tituladas, existindo um total de 1.715 processos de titulação em aberto. De acordo com Tárrega: A Terra de direitos fez uma análise em 2016, segundo a qual, em 5 anos, o orçamento para a regularização dos territórios quilombolas caiu em 97%. Também analisa dados de certificação/titulação, con- cluindo que nesse ritmo seriam mais de 900 anos para que todas as comunidades já certificadas recebessem seus títulos de propriedade (2018, p. 135).
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