Direito em Movimento - Volume 18 - Número 2 - 2º semestre/2020

77 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 2, p. 73-107, 2º sem. 2020 ARTIGOS A criação, na década de 1980, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e dos Conselhos Estaduais foi o primeiro passo para a inclusão do viés de gênero nas políticas públicas brasileiras, visando à pro- moção da igualdade e à eliminação da violência e da discriminação contra as mulheres. Entendendo a violência como a mais extrema manifestação da desigualdade de gênero, foram criados desde os anos 1980 diversos serviços de orientação e apoio a mulheres. Com o objetivo de criminalizar essa forma de violência, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher - DEAM foi a primeira e prin- cipal política pública criada naquela época. O lema de luta do movimento feminista brasileiro nos anos 1980 – “O silêncio é cúmplice da violência” – e a implantação das DEAMs incentivavam mulheres a denunciarem a vio- lência sofrida dentro de casa. O aumento significativo do número de regis- tros deu maior visibilidade a esse tipo de violência, mas logo ficou evidente que o atendimento policial não esgotava os diversos aspectos da violência conjugal, e tornou-se necessária a criação de serviços complementares: ca- sas-abrigo e centros de referência para orientação psicossocial e jurídica. Embora o principal serviço fosse a delegacia, muitas mulheres deixavam claro que não queriam que seus agressores fossem presos. A busca, pelas mulheres, dos órgãos da Justiça e da Segurança Pú- blica como uma forma de tentar controlar a violência do companheiro é recorrentemente apontada em pesquisas como atitude muito frequente (BRANDÃO,1997; MUNIZ, 1996; RIFIOTIS, 2008). Mas os pedidos da vítima de “retirar a queixa” por querer dar outra chance ao agressor, ou por não querer prejudicá-lo (leia-se, contribuir para sua prisão), eram mui- tas vezes atendidos pela delegacia, reforçando a naturalização da violência. Uma das principais críticas às DEAMs era a de que o número de Boletins de Ocorrência era significativamente maior do que o número de inquéritos instaurados, ou seja, as ocorrências não chegavam à Justiça. A partir de 1995, os crimes com pena privativa de liberdade de até um ano foram definidos como crimes de menor potencial ofensivo, passando a ser tratados no âmbito da Lei 9099/95. A lei, que surge como forma de

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