Direito em Movimento - Volume 18 - Número 2 - 2º semestre/2020
Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 2, p. 225-248, 2º sem. 2020 238 CASO JUDICIAL CÉLEBRE racial” existente nas relações entre negros e brancos. Fazemos coro com as análises de Juliana Borges, que nos aponta que “democracia racial e paci- fismo formam o arcabouço do mito fundador do nosso país”. 4 (BORGES, 2018, p.53) O autor não utiliza o termo “democracia racial” em Casa Grande e Senzala, mas descreve relações supostamente amigáveis entre brancos e ne- gros, pautando-se na miscigenação do povo brasileiro, em sua maior parte em consequência de estupros. Miscigenação que se mostra como um traço incomum em outros países que tiveram escravos de origem africana em sua formação histórica. O autor fala sobre um sistema de relações de poder marcante no período colonial, no qual a sociedade patriarcal privilegiava os homens, inclusive no caso de escravismo, pois a mulher negra seria a última na cadeia hierárquica. De tal modo que o regime aqui instalado fez reverberar em toda a nossa sociedade um sistema econômico escravocrata de exploração sem precedentes na América, e com consequências a longo prazo, que histo- ricamente criam barreiras à entrada das pessoas negras em espaços tradi- cionalmente ocupados por brancos. A grande falácia difundida por aqui, a da meritocracia, para ser minimamente plausível, teria que primeiro superar as desigualdades estruturais das quais é formada a nossa socie- dade. Tal segregação se reverbera em cenários delineados pela violência e pelo direito penal. Pesquisas apontam maior encarceramento da popula- ção negra (BORGES, 2018), maior taxa de homicídios de jovens negros, entre outros 5 . 4 Juliana Borges cita Marilena Chauí para nos trazer o conceito de Mito Fundador. Acompanhamos a citação da autora: um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas lingua- gens, novos valores e ideias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo.” (MARILENA CHAUÍ apud BORGES, 2018, p. 53). 5 Outros maiores detalhes acerca da realidade brasileira frente ao racismo são revelados no Mapa da Violência, elaborado pela FLACSO (Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais): no ano de 2003, foram cometidos 13.224 HAF (Homicídios por Armas de Fogo) na população branca, e, em 2014, esse número caiu para 9.766, o que representa uma queda de 26,1%. Em contrapartida, o número de vítimas negras em casos de homicídio aumentou de 20.291 para 29.813, um aumento de 46,9%. Isso demonstra que a vitimização negra no país que, em 2003, era de 71,7% (morrem 71,7% mais negros em relação aos brancos), subiu para 158,9% em 2014 (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2016).
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