Direito em Movimento - Volume 18 - Número 2 - 2º semestre/2020
Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 2, p. 225-248, 2º sem. 2020 227 CASO JUDICIAL CÉLEBRE O discurso e a prática na América contemporânea caminham dissociados. Nem um arsenal de leis, decretos, manifestos, políticas públicas de inclusão foi capaz de minorar os abismos e as desigualdades socioeconômicas entre as populações negras e brancas no país; isso sem falar nas diversas formas de violência a que as pessoas negras se encontram vulneráveis. No Brasil, o “preconceito de cor” é uma categoria nativa, usada por pessoas brancas das mais diversas idades, por policiais, que explicitam prá- ticas discriminatórias cotidianamente sem qualquer pudor ou constrangi- mento. É interessante a lição de Lélia Gonzalez sobre isso: “como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra”: a sua violência. (GONZALEZ, 1983) Nos Estados Unidos, de modo semelhante, a prática e o discurso acerca da população negra se deu historicamente pelo mote da exclusão. Apenas em 1964 firmou-se a Lei de Direitos Civis, com o escopo de proi- bir a discriminação racial no país. Tanto lá quanto aqui, a organização dos movimentos negros foi imprescindível para que as lutas por igualdade legal e social pudessem obter resultados. Nesse contexto, um caso emblemático desse período histórico nos Estados Unidos foi o da menina negra Ruby Nell Bridges Hall – que usaremos como pano de fundo para este artigo. Para exemplificarmos, através de um contexto geográfico abrangente, é possível pensar nos EUA e no Brasil conjuntamente. Países contrastan- tes enquanto nações, com marcos históricos, arranjos políticos e culturas próprias, mas com uma característica comum marcante: o racismo presente em suas sociedades desde sua formação como Estado-nação. Diante desse cenário, constata-se nesses lugares movimentos de opressão contra um gru- po racial determinado dotado de vulnerabilidade histórica, em virtude da violência da escravidão. Em 2020, os EUA foram palco do brutal assassinato por asfixia de George Floyd, homem negro, pelas forças policiais de Minneapolis, no es- tado de Minnesota. Tal episódio culminou em uma onda de protestos civis contra o racismo e contra as forças policiais truculentas. Em tom reivindi- catório, os manifestantes gritavam as últimas palavras de George antes da
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