Direito em Movimento - Volume 18 - Número 2 - 2º semestre/2020

116 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 2, p. 108-135, 2º sem. 2020 ARTIGOS determinada tradição intelectual. O programa é reforçar ou mudar de câ- non ? A política de divulgação bibliográfica e o glossário de citações indicam também a relação da publicação, no caso brasileiro, com sua autopercepção (ou crítica desta) no campo cultural periférico. Isso não passa longe dos projetos intelectuais dos juristas em torno das Faculdades de Direito na Primeira República. É a conjuntura do “bando de ideias novas”. Ideias que vão perdurar e marcar os debates intelectuais do fim do século XIX, ao menos até da década de 1920. Essa expressão representa, ali, o processo de rejeição aos antigos padrões heurísticos, em nome do “progresso” e da “civilização” mo- dernas. As “ideias novas” são representadas num acervo novo de autores: Haeckel, Buckle, Von Martius, Jhering (alemães), Spencer, Darwin (ingle- ses), Littré, Le Play, Le Bon, Gobineau, Charcot (franceses). Incluem-se aí também uma amplitude interdisciplinar de contato com as então no- víssimas disciplinas: sociologia, antropologia, psicologia social e medicina legal. Em relação ao campo jurídico, a proposta é um Direito “científico” 6 , aliado à biologia evolutiva, à antropologia física e determinista, aberto a interdisciplinaridade para buscar leis e linhas gerais do caráter nacional nos moldes das ciências naturais. Os intelectuais imersos nessa conjuntura pro- jetavam construir não somente novas teorias, mas uma nova visão de nação partilhando da sensação de uma ciência ilimitada em seu poder explicativo (SCHWARCZ, 1993, p. 196). Essas são as balizas intelectuais do projeto de transição para uma mo- dernidade cultural. A rigidez imutável da ordem social compreendida por direito natural de corte religioso começa a ser contestada. Epistemologi- camente a abertura às ciências naturalistas e evolucionistas implica em um discurso mais secular sobre o Direito. Além da ética científica (avessa a es- peculações metafísicas), elas trazem consigo uma nova chave heurística, se- 6 Flora Sussekind e Roberto Ventura ressaltam que o cientificismo que norteia a produção intelectual daquela conjuntura tem como um de seus pressupostos a homologia entre os diversos níveis da realidade, transpondo categorias de um campo para outro (SUSSEKIND; VENTURA, 1984, p. 15). Essas transposições, porém, não são representadas como analogias ou metáforas, mas como homologias entre as diversas representações do objeto, garantida pela pretensa universalidade da ciência. O campo intelectual do período precisava tramar, portanto, toda uma conjugação de saberes.

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