Direito em Movimento - Volume 18 - Número 2 - 2º semestre/2020
113 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 2, p. 108-135, 2º sem. 2020 ARTIGOS paradigma legalista iluminista, como o da isenção da lei, da isenção do magistrado, o dogmatismo da norma etc., o que no início do século XIX se encontrava em pleno fogo cruzado. (RAMOS, 2010, p. 60. Grifo nosso) 4 Essa guinada ao público atende ao chamado da conjuntura e ao devi- do desenvolvimento embrionário de um campo jurídico brasileiro em busca de consolidação. É bom recordar que a criação de um periódico é sempre o ato de um determinado grupo e que representa certas redes de sociabilidade em busca de expandir seus debates e influência 5 . Aqui, tomamos a liberdade de reformular e recolocar algumas ques- tões preliminares anteriormente proferidas por André-Jean Arnaud (1988, p. 3–4): qual “cultura jurídica” representam os autores que escrevem para esses periódicos? O que isso nos diz sobre seus diretores, editores e autores? São essas revistas simples instrumentos de informação e registro impar- cial de várias correntes internas de conhecimento jurídico? Elas seguem uma política cultural específica? Existe alguma organização dos sujeitos de acordo com hipóteses de trabalho específicas (ou características)? Existe alguma coincidência entre a política editorial inicial e o que resulta dela? Como o periodismo jurídico é utilizado dentro da “tradição” das institui- ções de ensino jurídico? Qual é o significado de eventuais momentos de descontinuidade? Para quais leitores ideais a revista é direcionada? É um instrumento puramente interno ao mundo dos juristas e bacharéis ou é dirigido a outras áreas das ciências sociais? Colocamos essas questões em nosso estudo de caso do periodismo jurídico acadêmico na Primeira Re- pública, extraindo daí considerações de caráter teórico (refletindo sobre a ação das revistas na política do conhecimento) e metodológico (como lidar 4 Em nível global, a aproximação do direito ao mundo dos impressos periódicos é quase simultânea à expansão editorial ocorrida no século XVIII, gerando o periodismo jurídico. O marco inicial é Gazette des Tribunaux, pu- blicada na França em 1775 (CHORÃO, 2002, p. 37), depois impulsionada pela obrigatoriedade legal, imposta pelos governos revolucionários, da publicação das decisões judiciais. Na primeira metade do século XIX, o periodismo jurídico já havia se espalhado no velho e novo mundo. Segundo Formiga (2010), Portugal, Espanha, Brasil e Argentina têm seus volumes inaugurais editados por volta dos anos 1830 e 40. 5 Ao publicar atos oficiais do império, legislações, crônicas forenses e jurisprudência, a “Gazeta” expunha o elemento profissional de um campo ainda em formação, reforçando um discurso típico da modernidade.
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