Direito em Movimento - Volume 18 - Número 1 - 1º semestre/2020

59 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 1, p. 51-77, 1º sem. 2020 ARTIGOS nha adotado, por escolha ou nascimento, hábitos “civilizados”, não poderá ser diferenciado, pelo pesquisador, dos demais colonos na documentação legada pela burocracia colonial. (GARCIA, 2007, pp.23-38). A Lei Registral é anterior à Constituição Federal de 1988 e parte de um paradigma de transitoriedade da cultura ameríndia, isto é, o desenvol- vimento “civilizatório” do indígena está em evolução e, ao abandonar sua cultura e tradições, passa a ser plenamente capaz. Em outras palavras, a ideia de capacidade civil (e de acesso aos docu- mentos formais de existência) estava vinculada ao abandono tribal e à in- serção na cultura não índia. Assim, havia uma relação direta e inversamente proporcional entre tutela ao indígena e integração na cultura envolvente. Seguramente, por isso, os cartórios brasileiros negavam o registro a nomes indígenas, invocando o citado art. 55 da Lei n.º 6.015/1973. Essa interpretação já era de duvidosa constitucionalidade, segundo os parâme- tros da Constituição Federal de 1967, mas, após a Carta de 1988, passou a ser manifestamente inconstitucional, pois a Constituição Cidadã garantiu aos indígenas a sua organização social, o que inclui, dentre outros, o direito à identidade, à língua e às tradições. Agora, tanto o índio que vive em sua terra como aquele que reside na cidade (por isso a Resolução Conjunta fala em “integrado ou não”) pode fazer o registro de nascimento de acordo com sua língua e cultura, e não segundo os requisitos do Código Civil ou da Lei Registral. A violação desse direito, que a princípio é difícil de mensurar, fazia com que muitos indígenas deixassem de se registrar, em razão da “proibi- ção” de averbar seu próprio nome ou porque eram obrigados a usar o nome e sobrenome de “branco”, causando um sentimento de perda ou privação de identidade dentro de sua família e comunidade. A Resolução Conjunta n.º 03, em seu art. 2.º, §§ 1.º e 2.º, também resolveu vários problemas práticos, ao tornar optativo aos indígenas lançar

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