Direito em Movimento - Volume 18 - Número 1 - 1º semestre/2020

46 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 1, p. 28-50, 1º sem. 2020 ARTIGOS cocaína pura ou de qualidade razoável, são aceitos (com resignação) por aqueles que compram pó para aspirar em busca de determinadas “ondas” . No caso descrito para este estudo, aquele que foi primeiramente acusado de traficante e posteriormente de estelionatário, se tivesse acesso a produtos e medicamentos, não teria encarado os problemas que teve com a Justiça em virtude daquela venda. Desse modo, com base na narrativa que pudemos produzir a respeito de um caso policial e através do uso de uma rede interpretativa acionada através das referências bibliográficas utilizadas ao longo do texto, podemos afirmar que a Lei de Drogas, do ponto de vista de seus objetivos manifestos, não cumpre com suas finalidades, uma vez que nunca foi capaz, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, de banir o consumo das substâncias proscritas. Porém, apenas se pudermos olhar para além do seu conteúdo manifesto, para sua aplicação, para a capacidade que tais regramentos proi- bicionistas têm de pautar o trabalho policial de uma determinada maneira no controle repressivo de determinados grupos sociais, tais leis são um ver- dadeiro sucesso. Colocadas na ilicitude, diferentemente de outras drogas como álcool, tabaco e medicamentos de uso controlado, maconha e cocaína são, não raro, radicalmente adulteradas antes de serem postas no mercado ilícito, fora do controle do Estado, sem nenhuma perspectiva de controle de qualidade. Como exemplo, é possível citar o próprio crack que, embora apresente-se na forma de pedra, tem composição semelhante à da cocaína, além de ser substancialmente mais adulterada. Esses fatores configuram a impossibili- dade de fiscalizar a qualidade da cocaína posta à venda nos mercados, sendo o crack em si um produto do proibicionismo. De toda forma, o presente trabalho visa a demonstrar que a aplicação da Lei 11.343, conhecida como a Lei de Drogas brasileira, não só não logra êxito em poupar as populações de travarem contato com substâncias que possam vir a fazer-lhes mal indi- vidual ou coletivamente, como também agrava o problema.

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