Direito em Movimento - Volume 18 - Número 1 - 1º semestre/2020

45 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 1, p. 28-50, 1º sem. 2020 ARTIGOS um produto falso. E fermento em pó não consta da lista de substâncias proibidas definidas pela ANVISA. Além disso, embora informações colhidas pelos policiais em seu lo- cal de patrulhamento dessem conta de que aquele sujeito era traficante, uma vez que, segundo seus relatos, era conhecido na localidade por vender “drogas”, não havia menções a organizações criminosas na embalagem do pó que vendera como cocaína. Certamente, estes aspectos conjugados com- puseram um “contexto da apreensão” que o favoreceu, para que o caso fosse tratado de uma maneira bastante distinta daquela que costuma ser a usual. Uma vez registrado o caso como estelionato (artigo 171 do Código Penal brasileiro), pôde responder em liberdade e, posteriormente, ser perdoado por um magistrado que acreditava que não se deve punir um estelionatário que opere com valores tão ínfimos (R$ 20,00). Do ponto de vista da cliente lesada, nada indica, com as informações que pudemos ter acesso para a produção deste trabalho, que ela tenha sido ressarcida do valor que lhe fora subtraído através de um golpe de falsidade. Ao experimentar o produto e não sentir nem o efeito da cocaína, nem efei- to algum, sua indignação a levou a procurar os policiais, que, por sua vez, atendendo ao seu acionamento, acabaram posteriormente tendo frustradas suas intenções de prender um traficante. Postula-se que, se a reclamante que dera início à ocorrência tivesse experimentado alguma sensação iden- tificada como prazerosa ao cheirar o produto, mesmo que sabidamente não provocada pelas moléculas oriundas da cocaína, sua compra dificilmente teria se tornado uma ocorrência policial. O trabalho de Rangel, conforme demonstram as citações acima, explicita que os consumidores de cocaína no Rio de Janeiro estão habituados a usar um produto de qualidade, no mínimo, duvidosa (RANGEL: 2017). Sabe-se que administradores de bocas de fumo utilizam em suas mer- cadorias recursos para que elas produzam efeitos alternativos e que, embora esses efeitos sejam diferentes daqueles experimentados no consumo de uma

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