Direito em Movimento - Volume 18 - Número 1 - 1º semestre/2020

43 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 1, p. 28-50, 1º sem. 2020 ARTIGOS nalística, o experiente PM achou aquela situação estranha e desconfortá- vel. A adição de outros elementos (de uma gama relativamente variável, que vai do fermento ao vidro moído, à composição daquilo que se vende no varejo das bocas de fumo no Rio de Janeiro como cocaína) é um fato conhecido das forças policiais e publicizado em, ao menos, uma contri- buição acadêmica no campo da antropologia (RANGEL: 2017). Muitos são os casos em que uma quantidade praticamente nula desse alcaloide é encontrada nas amostras oriundas de apreensões em ações policiais que levam pessoas ao cárcere, de modo que o resultado da perícia, não raro, é inconclusivo para a presença de cocaína. Mas não é isso que parece estar em questão quando se trata de pensar nas rotinas e valores que acionam os policiais, incluindo o caso aqui narrado para ser estudado.Todavia, o desfecho inusitado aguça, em uns, perplexida- de, que por sua vez pode gerar a inquietação que está no início de qualquer processo de análise em torno de problemas sociais sob a perspectiva acadê- mica (LENOIR: 1998). O antropólogo Victor Rangel realizou uma etno- grafia situada em dois pontos distintos onde questões em torno da cocaína e seus níveis de pureza (ou impureza) são centrais: o primeiro é um grupo de consumidores do “pó” que se reúne em um bar na zona norte da cidade de Niterói, enquanto o segundo é o material na forma de pó apreendido sob a denominação de cocaína, junto aos peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil no exercício de seu ofício de análise. Vejamos primeiramente uma pequena amostra do que o antropólogo conseguiu extrair de sua interlocução com os consumidores no bar: Consumidores mais antigos, no decorrer das entrevistas, rela- taram, muitas vezes num tom saudosista, como a cocaína era na década de oitenta e noventa em comparação com a atual, vendida nas favelas. É unânime nos relatos que a qualidade decaiu ao longo dessas décadas. Alguns alegam que essa que- da na qualidade foi motivada visando o lucro e, relacionado a isso, as perdas com as políticas estaduais e nacionais de re-

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz