Direito em Movimento - Volume 18 - Número 1 - 1º semestre/2020
40 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 1, p. 28-50, 1º sem. 2020 ARTIGOS agarrado? Viciado tem que ficar preso. Viciado é quem financia o tráfico . Se não existisse o consumidor, não existiria a ofer- ta do produto. E se não existisse o tráfico, não existiria essa guerra que se tornou o Rio de Janeiro”. (Subtenente, com 17 anos de serviços) Estudos desenvolvidos pelos antropólogos Frederico Policarpo, Ca- rolina Grillo e Marcos Veríssimo, nos anos imediatamente posteriores à entrada em vigor da referida normativa legal (2007-2009), e posterior- mente publicados (2011), sugerem que esse abrandamento da pena a fa- vor do usuário pode servir como um argumento por parte dos policiais no sentido de compensar a frouxidão da lei, tornando assim mais duras suas abordagens aos consumidores, incluindo castigos informais variados. Como a conduta enquadrada como uso de “drogas” postas na ilicitude não foi descriminalizada, apesar de despenalizada, o registro na delegacia ainda continua sendo uma medida administrativa que o policial é obrigado a to- mar. É nesse momento que a discricionariedade inerente ao cargo policial, na forma como é realizada no Rio de Janeiro (conforme vimos nas seções anteriores), pode ou não ser usada como um trunfo , por assim dizer, em eventuais negociações junto a indivíduos flagrados em posse de drogas. Sob essa perspectiva, o abrandamento em relação à punição aos usuários trazido pela lei de 2006 faz com que os policiais permeiem suas atitudes entre a le- galidade e a ilegalidade. Os autores pontuam que a ausência de critérios que facilitem a distinção entre o uso e o tráfico não é uma imperfeição da lei, mas uma consequência da impossibilidade de uma diferenciação objetiva e eficaz, tornando arbitrárias as classificações penais (GRILLO; POLICARPO; VERISSIMO: 2011). Na forma como é apropriada e demandada no trabalho policial coti- diano, a Lei de Drogas em vigência no Brasil permite ainda que determina- dos grupos sociais sofram com mais intensidade os efeitos da arbitrariedade perpetrada por certos agentes policiais. Esse não é um tipo de apropriação que tenha sido trazido no bojo da normativa legal mais recente no assunto,
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