Direito em Movimento - Volume 18 - Número 1 - 1º semestre/2020
37 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 1, p. 28-50, 1º sem. 2020 ARTIGOS provadamente encontrada na natureza (as folhas e galhos de uma árvore são citadas) em modelo das desigualdades sociais, reafirmando, assim, ju- ridicamente, a desigualdade de tratamento jurídico como ordem fundante da igualdade jurídica brasileira (BARBOSA: 1999), ou, melhor dizendo, igualdade jurídica à brasileira (TEIXEIRA MENDES, 2008), segundo a qual o “outro” cidadão, se for diferente, está fadado a receber tratamento jurídico (leia-se, policial e judicial) desigual, ou o “choque de ordem”. Onde o tratamento desigual é regra (KANT DE LIMA, 2007) e os direitos civis ainda não foram totalmente incorporados (OLIVEIRA: 2010), a cidadania não pode ser considerada plena, definindo-se aqui sua plenitude em correspondência com o modelo proposto pelo sociólogo bri- tânico Thomas Marshall, em seu clássico trabalho intitulado “Cidadania, classe social e status” (MARSHALL: 1967). A cidadania moderna seria en- tão composta de elementos que foram se constituindo numa sequência que começou com a consolidação dos direitos civis (século XVII), seguidos dos direitos políticos (século XVIII), culminando nos direitos sociais (século XX). Ali, a superação das contradições do antigo regime levou, em parte da Eu- ropa, a partir do século XVII, à institucionalização de formas sociais de convívio e relações de poder em que as instituições judiciárias funcionam idealmente para arbitrar as discordâncias e cobranças entre sujeitos repre- sentados como iguais. Assim como, na seção anterior, vimos como as funções de vigilância policial no Brasil obedeciam, desde seu nascedouro, a imperativos distintos das forças policiais do chamado mundo moderno, o mesmo se deu no que concerne à estruturação do Judiciário.Tal dissonância em relação a modelos como os descritos por Marshall já foi amplamente trabalhada nas ciências sociais brasileiras, mostrando diferentes formas de adjetivação da noção de cidadania. Para o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, a cidadania no Brasil é “regulada” (SANTOS: 1987). Para o antropólogo Roberto Da Matta, é “relacional” (DA MATTA: 2000). Já o historiador José Murilo de Carvalho prefere qualificá-la como uma “estadania” (CAR- VALHO, 2002). De acordo com Kant de Lima (2009), esse descompasso
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