Direito em Movimento - Volume 18 - Número 1 - 1º semestre/2020

32 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 1, p. 28-50, 1º sem. 2020 ARTIGOS Geralmente, os policiais encontram, após uma abordagem, com ou sem “sacode”, uma pequena quantidade de drogas com uma pessoa e, a partir daí, pode ou não conduzi-la para a delegacia e realizar a apreensão do material, o que categoriza-se como crime de uso (artigo 28) ou de tráfico (artigo 33) de drogas. Contudo, após o resultado do exame toxicológico ter verificado se tratar de fermento em pó, houve uma quebra de lógica na apreensão e na prática policial militar, que quase nunca vislumbra atuar num caso de este- lionato (artigo 171 do Código Penal) e estranha quando, já na delegacia, os policiais assim interpretam uma ação delituosa. Com base na narrativa acima, produzida na interlocução direta com os policiais que efetuaram a prisão do suposto “traficante”, posteriormente “estelionatário”, pretendemos explorar algumas consequências no âmbi- to da discussão acadêmica, através da descrição do caso e análise de seus desdobramentos, bem como propor interpretações por meio do arcabouço teórico das ciências sociais. Ao enfocarmos um resultado tido como atípico de ações policiais, tentaremos acessar as lógicas correntes que tal resultado contradiz, com ênfase nas seguintes questões: em que medida o ocorrido se configura como um caso excepcional? Como os atores se posicionam diante do insólito? O objeto dessa proposta é o estudo das práticas policiais e suas con- sequências, em uma ordem proibicionista, bem como seus efeitos na socie- dade brasileira, marcada pela naturalização das desigualdades e pelo que se convencionou chamar, em meios ativistas, de “criminalização da pobreza” (que tomaremos como categoria nativa). A lei é aplicada ao caso concreto pelos operadores de segurança pública (policiais), de acordo com suas pró- prias subjetividades – mais ou menos – corporativas. Geralmente, esta for- ma de operação e enquadramento de sujeitos, derivada de abordagem nas ruas, encontra encaixe nos processos judiciários – ou seja, a incriminação é confirmada em varas e tribunais pelos juízes, de modo que uma possível consequência é a pena privativa de liberdade para o caso daqueles enqua- drados por tráfico (artigo 33 da Lei de Drogas). No entanto, pergunta-se:

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