Direito em Movimento - Volume 18 - Número 1 - 1º semestre/2020
Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 18 - n. 1, p. 159-174, 1º sem. 2020 169 CASO JUDICIAL CÉLEBRE e 61.805 eram brancas. No final das contas, 88% daqueles abordados eram inocentes de qualquer crime, o que significa que milhares de pessoas de cor inocentes eram sujeitas a me- didas policiais invasivas sem um bom motivo. (BISHARAT, 2018, p. 263) Retornando a questão nacional, pode-se dizer que o sistema legal-pri- sional brasileiro respeita uma lógica bem semelhante a dos EUA, ou seja, a escravidão da população negra por aqui deixou marcas indeléveis para a sociedade contemporânea. Existe, portanto, uma ambiguidade comporta- mental da sociedade no que se refere ao período posterior à abolição. Nou- tras palavras, ao cidadão de pele negra não foi negado o direito de ser livre; no entanto, impediram que este cidadão buscasse e conseguisse ter con- dições dignas de vida. Tal reproduz, muitas vezes, dialéticas semelhantes à da escravidão, o que persiste de alguma forma nos dias de hoje, por meio de uso de técnicas racistas de convivência, sejam elas explícitas ou implícitas. Um exemplo de racismo explícito é o uso da expressão mulata para se referir às mulheres negras no Brasil. Segundo Djamila Ribeiro (2018), filósofa estudiosa do tema, este termo, por ser oriundo da palavra mula (um híbrido equino), seria “uma palavra pejorativa para indicar mestiçagem, im- pureza, mistura imprópria, que não deveria existir” (RIBEIRO, 2018, p. 99). Nesta mesma toada, Lilia Schwarcz (1996) exibe uma pesquisa sobre racismo em que 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito e 98% asseguraram conhecer pessoas preconceituosas, como amigos, namo- rados e entes próximos. Através desses resultados, a autora conclui que: “Todo brasileiro se sente como em uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados”. (SCHWARCZ, 1996, p. 155). O caminho de desmistificação do racismo é longo e por vezes doído, basta um olhar mais atento para o lado e a percepção faz saltar aos olhos o fato de que, no Brasil, negros não ocupam espaços de poder. Não se trata de mera estratificação profissional, como mostra estudo recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): no país, existem 6,2 milhões
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