Direito em Movimento - Volume 17 - Número 2 - 2º semestre/2019
44 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17 - n. 2, p. 34-51, 2º sem. 2019 ARTIGOS Entretanto, esse apelo a posicionamentos intelectuais, marcadamen- te centrados no cientificismo entre esses homens das letras jurídicas, teve vozes dissonantes. Neste caso, como vimos, cabe destaque ao pensamento católico. Como o saber jurídico passou a oferecer uma resposta científica a assuntos que até então se encontravam, sobretudo, nas mãos da instituição eclesiástica, operou-se um estado de concorrência entre esses dois campos. Formou-se o que Pierre Bourdieu (1990, p. 119) chamou de um campo de lutas pela “[...] manipulação simbólica da condução da vida privada e orientação da visão de mundo, e todos colocam em prática na sua visão de mundo, definições concorrentes, antagônicas, da saúde, do tratamento da cura dos corpos e das almas”. Essa crítica ao cientificismo no campo jurídico ficou expressa por vol- ta dos anos 1930 com a publicação da revista Surto, voltada para os estu- dantes de direito da Universidade de Minas Gerais . Em suas páginas é possível encontrarmos uma defesa muito explícita da filosofia tomista e muito instigante para o nosso propósito de estudo, uma vez que, em fun- ção do processo de cientificização pelo qual se havia passado no rastro do século XIX, os intelectuais do campo jurídico se tornaram um dos alvos do processo de recristianização encampado pela Igreja nas primeiras décadas do século XX. Neste caso, como destaca Artur Versiani Veloso, a filosofia naqueles anos pós-Primeira Guerra Mundial foi descaracterizada pelo cientificismo e pelo racionalismo, provocando o que se pode chamar de uma “atomização” da sociedade. Mas, em uma rota de colisão com este tipo de pensamento, estaria, em seu entender, o tomismo difundido naquele tempo nos escritos de intelectuais católicos como Jacques Maritain e Gilbert K. Chesterton (SURTO, 1934) 1 . Daí podem ser compreendidos também os referenciais a filósofos como Henri Bergson, Hermann Keyserling, Oswald Spengler, Edmund 1 A respeito da importância do catolicismo e de Chesterton para a intelectualidade católica no Brasil daquela época, referendamos Gustavo Corção (1946).
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