Direito em Movimento - Volume 17 - Número 1 - 1º semestre/2019
25 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17 - n. 1, p. 15-31, 1º sem. 2019 ARTIGOS Esse bem e esse interesse jurídicos, respectivamente, estão sintetizados na expressão existência digna e tutelados no âmbito do direito fundamental à vida, que por sua vez é sustentado pelo valor supremo da dignidade huma- na. O tempo vital, existencial ou produtivo, enquanto suporte implícito da própria vida, também é um atributo integrante da personalidade resguarda- do no rol aberto dos direitos da personalidade. Diante dessas constatações, a jurisprudência tradicional – segundo a qual a via crucis percorrida pelo consumidor, ao enfrentar problemas de consumo criados pelos próprios fornecedores, representa “mero dissabor ou aborrecimento” e não um dano moral indenizável – revela um raciocínio erigido sobre premissas equivocadas que, naturalmente, conduzem a essa conclusão falsa. A primeira de tais premissas é que o conceito de dano mo- ral enfatizaria as consequências emocionais da lesão, enquanto ele já evo- luiu para centrar-se no bem ou interesse jurídico atingido; ou seja, o objeto do dano moral era a dor, o sofrimento, a humilhação, o abalo psicofísico, e se tornou qualquer atributo da personalidade humana lesado. A segunda é que, nos eventos de desvio produtivo, o principal bem ou interesse jurídico atingido seria a integridade psicofísica da pessoa consumidora, enquanto, na realidade, são o seu tempo vital e as suas atividades existenciais. A tercei- ra é que esse tempo existencial não seria juridicamente tutelado, enquanto, na verdade, ele se encontra resguardado tanto no elenco exemplificativo dos direitos da personalidade quanto no âmbito do direito fundamental à vida. Por conseguinte, ao precisar enfrentar tais problemas de consumo po- tencial ou efetivamente lesivos, o consumidor sofre necessariamente um dano extrapatrimonial que tem efeitos individuais e potencial repercussão coletiva, que, sendo um dano certo, imediato e injusto, é indenizável in re ipsa . Na perspectiva da melhor doutrina atual, a lesão antijurídica ao tempo que dá suporte à vida, enquanto atributo da personalidade humana, carac- teriza o dano moral, ao passo que a lesão antijurídica às atividades exis- tenciais da pessoa consumidora configura o dano existencial. Ocorre que a vida, que dura certo tempo e nele se desenvolve, constitui-se das próprias atividades existenciais que nela se sucedem. Consequentemente, um evento
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