Direito em Movimento - Volume 17 - Número 1 - 1º semestre/2019
24 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17 - n. 1, p. 15-31, 1º sem. 2019 ARTIGOS pelo referido problema, que causa diretamente o evento de desvio produ- tivo do consumidor, evidencia a relação de causalidade existente entre a prática abusiva do fornecedor e o evento danoso dela resultante. Tal comportamento principal do consumidor – despender tempo vital e se desviar de atividades existenciais – viola os seus mais legítimos interes- ses e configura uma renúncia antijurídica ao direito fundamental à vida, 21 que é indisponível, bem como uma renúncia antijurídica ao direito funda- mental à educação, ao trabalho, ao descanso, ao lazer, ao convívio social, aos cuidados pessoais ou ao consumo – enquanto expressão individual, social ou coletiva da liberdade de ação em geral –, dos quais ninguém poderia abdicar por força de circunstâncias que aviltem o princípio da dignidade humana, que apoia esses direitos. Ademais, aquele comportamento suplementar do consumidor – assu- mir deveres operacionais e custos materiais do fornecedor – viola os prin- cípios do CDC e caracteriza uma renúncia antijurídica a alguns de seus di- reitos especiais, uma vez que o consumidor jamais poderia abrir mão desses direitos imperativos de ordem pública instituídos pelo CDC, nem mesmo por força das circunstâncias. Afinal de contas, a vulnerabilidade do consu- midor tutelada pelo CDC é o fundamento dessa proteção inderrogável de índole constitucional. Dito de outra maneira, o indicado comportamento do consumidor implica ofensa ao CDC e à vulnerabilidade do consumidor por ele tutelada, que são respaldados pelo direito fundamental à proteção do consumidor. Ao sucumbir ao modus solvendi do problema veladamente imposto pelo fornecedor, o consumidor incorre então, independentemente do resul- tado do seu esforço, na perda definitiva de uma parcela do seu tempo total de vida, na alteração prejudicial do seu cotidiano ou do seu projeto de vida e na instalação em sua vida de um período de inatividade existencial, o que configura a lesão ao tempo existencial e à vida digna da pessoa consumidora. 21 Se o tempo é o suporte implícito da existência humana, isto é, da vida, que dura certo tempo e nele se de- senvolve, é possível concluir que o tempo vital, existencial ou produtivo é um dos objetos do direito fundamental à vida.
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