Direito em Movimento - Volume 17 - Número 1 - 1º semestre/2019
23 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17 - n. 1, p. 15-31, 1º sem. 2019 ARTIGOS cludentes, 17 o consumidor, impelido por seu estado de carência 18 e por sua condição de vulnerabilidade, despende então uma parcela do seu tempo, adia ou suprime algumas de suas atividades planejadas ou desejadas, desvia as suas competências dessas atividades e, muitas vezes, assume deveres ope- racionais e custos materiais que não são seus. O consumidor comporta-se assim ora porque não há solução imediatamente ao alcance para o proble- ma, ora para buscar a solução que no momento se apresenta possível, ora para evitar o prejuízo que poderá advir, ora para conseguir a reparação dos danos que o problema causou, conforme o caso. Essa série de condutas caracteriza o “desvio dos recursos produtivos do consumidor” ou, resumidamente, o “desvio produtivo do consumidor”, 19 que é o fato ou evento danoso que se consuma quando o consumidor, sen- tindo-se prejudicado, gasta o seu tempo vital – que é um recurso produtivo – e se desvia das suas atividades cotidianas – que geralmente são existen- ciais. 20 Por sua vez, a esquiva abusiva do fornecedor de se responsabilizar 17 Como reclamar e descansar, preocupar-se com um problema de consumo e divertir-se, aguardar aten- dimento em casa e trabalhar fora, em razão da aplicação, de modo direto ou por analogia, do princípio da impenetrabilidade da matéria às situações de desvio produtivo do consumidor. Disso resulta que uma atividade preterida no presente, em regra, só poderá ser realizada no futuro suprimindo-se outra atividade. 18 O termo carência designa o conjunto das necessidades, desejos e expectativas da pessoa. Ou seja, carências são as necessidades biológicas e culturais da pessoa, os seus desejos criados principalmente por técnicas de marketing, pela emulação social, pela perspectiva de obter diferentes formas de prazer e de realização, por alguns estados emocionais e por alguns distúrbios mentais e as suas expectativas geradas especialmente por in- formações, por promessas, por experiências, por valores morais e por direitos (DESSAUNE, 2009, p. 255-256). 19 Inicialmente, denominei o fenômeno socioeconômico em análise “desvio dos recursos produtivos do consu- midor”, por ser um nome mais completo e autoexplicativo. Porém, a necessidade de dispor de um nome menor e mais simples, tanto para o título do livro quanto para as inúmeras citações ao longo da obra, levou-me a simplificá-lo e a reduzi-lo para “desvio produtivo do consumidor”. Note-se, contudo, que nessa nova expressão cunhada não empreguei o adjetivo “produtivo” para qualificar o desvio do consumidor como sendo um ato “producente” ou “improducente”. Diversamente, utilizei tal adjetivo em sua acepção de “relativo à produção”, indicando tão somente que, em situações de mau atendimento e de omissão, dificultação ou recusa de res- ponsabilidade pelo fornecedor, o consumidor se vê forçado a desviar seus recursos “que produzem” (tempo e competências) de suas atividades geralmente existenciais, objetivando enfrentar os mais variados problemas de consumo (INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS, 2009, s.v. produtivo). 20 Repita-se que as principais atividades existenciais, que na sociedade contemporânea se dirigem ao desenvol- vimento da personalidade e à promoção da dignidade das pessoas, são estudar, trabalhar, descansar, dedicar-se ao lazer, conviver socialmente, cuidar de si e consumir o essencial.
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