Direito em Movimento - Volume 17 - Número 1 - 1º semestre/2019
22 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17 - n. 1, p. 15-31, 1º sem. 2019 ARTIGOS poderia abdicar da sua liberdade negativa na presença de uma lei legíti- ma 14 ou de outro motivo jurídico suficiente 15 que assim autorizasse ou de- terminasse, jamais por força das circunstâncias. Acontece que o CDC e a vulnerabilidade do consumidor por ele tutelada são, respectivamente, a lei legítima e o motivo jurídico suficiente aplicáveis à situação, os quais, por um lado, autorizam que os fornecedores sofram restrições ou limitações le- gítimas à sua liberdade de ação empresarial, e, por outro, não permitem que o consumidor sofra restrições ou limitações arbitrárias à sua liberdade de escolha e à sua igualdade de contratação no mercado de consumo. Dito de outro modo, o apontado comportamento do consumidor implica violação ao direito fundamental à liberdade de ação em geral, que é sustentado pelo princípio da dignidade humana. 2. Configuração, fundamentos, inter-relações e consequências jurídicos do desvio produtivo do consumidor e arbitramento do dano extra- patrimonial decorrente Não lhe restando uma alternativa de ação melhor no momento, 16 e tendo noção ou consciência de que ninguém pode realizar, simultaneamen- te, duas ou mais atividades de natureza incompatível ou fisicamente ex- 14 José Afonso da Silva explica que qualquer restrição à liberdade de ação em geral ou liberdade-matriz das pessoas só pode ser imposta por “lei legítima”, que é aquela emanada do Poder Legislativo formado pelo consentimento popular e elaborada em conformidade com o processo legislativo constitucional (SILVA, 2007, p. 236). 15 Robert Alexy sustenta que a “liberdade negativa” (ou possibilidade de escolha) de uma pessoa só é restrin- gível na presença de “razões suficientes”, pois a liberdade negativa, enquanto princípio, “não outorga uma permissão definitiva para fazer ou deixar de fazer tudo o que se quer; ele tão somente sustenta que todos podem fazer ou deixar de fazer o que quiserem, desde que não existam razões suficientes (direitos de terceiros, interesses coletivos) que fundamentem uma restrição na liberdade negativa”. Alexy enfatiza que o princípio da liberdade negativa exige um “motivo suficiente” para que haja qualquer restrição à liberdade, por mais insignificante ou menor que seja esse motivo. Senão ocorreriam restrições arbitrárias à liberdade, ou seja, até “nas pequenas coi- sas o indivíduo poderia ser submetido a toda forma de chicanas sem fundamento” (ALEXY, 2008, p. 357-358). 16 A não ser submeter-se ao modus solvendi do problema que o próprio fornecedor veladamente impõe.
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