Direito em Movimento - Volume 17 - Número 1 - 1º semestre/2019
180 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17 - n. 1, p. 142-199, 1º sem. 2019 ARTIGOS para o caso concreto, por fundamentos acolhidos pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral. Além dos princípios tradicionais, como Estado Democrático de Direito, igualdade e liberdade, a quadra atual vive a conso- lidação do princípio da razoabilidade e o desenvolvimento do princípio da dignidade da pessoa humana 58 . Nesse contexto, para o bom funcionamento do componente de inte- ligência artificial, é indispensável buscar, nesse primeiro momento, os easy cases 59 . Assim, numa visão holística da aplicação da IA no Judiciário, podemos identificar as seguintes atuações: (a) auxiliando o Magistrado na realização 58 BARROSO, Luís Roberto, op. cit. 59 O Estado Democrático de Direito como paradigma emergente das insuficiências dos modelos de Estado anteriores (Estado Liberal e Estado Social) traz embutido na sua conjuntura um deslocamento do centro de poder de decisão. Em um primeiro momento, no Estado Liberal, o centro de poder se instaura no poder legislativo, consequência lógica do processo histórico de ruptura com o Ancien Regime. Num segundo momento, pelas insuficiências desse modelo estatal liberal-individual-normativista, ou seja, de um Estado abstencionista, calcado na noção precária de liberdade e do positivismo, surge o Estado Social trazendo a ideia de um modelo estatal intervencionista que sai da inércia de mera organização de Estado, tendo, por conseguinte, o centro de decisão deslocado para o poder executivo. No terceiro momento, surge o Estado Democrático de Direito, em que deve ser visto o Direito como instrumento de transformação social, pois carrega, nos seus textos constitucionais, ele- vada carga de valores e caráter compromissário voltado para mudanças nas estruturas econômicas e sociais. Por isso L enio S treck sustenta que “ no Estado Democrático de Direito, em face do seu caráter compromissário dos textos constitucionais e da noção de força normativa da Constituição, ocorre, por vezes, um sensível deslocamen- to do centro de decisões do Legislativo e do Executivo para o plano jurisdicional ” (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma nova crítica do Direito . Forense, São Paulo, 2004, p. 19). O papel do judiciário nessa quadra da história é de suma importância, sendo relevante o papel daqueles que compõe o cenário judicial, especificamente os juízes. Apesar de a Constituição trazer a ideia de ruptura com paradigma anterior, o modo interpretativo/aplicativo do Direito ainda se encontra calcado na cultura jurídica do Positivismo Jurídico. O sistema positivista trabalha, no que concerne à interpretação, com as hipóteses condicionais de incidência, ou seja, as regras jurídicas que são aplicadas de modo subsuntivo, dado “fato” aplica-se “regra”. Essa forma simplória e carente termina não abarcando toda a problemática dos fenômenos da realidade fática, pois não ocorrendo a hipótese de incidência, não há como se fazer a subsunção, então, para responder o caso, ao judiciário é dada a discricionariedade, isto é, a subjetividade assujeitadora e fundante do juiz decide o caso. Logicamente, essa discricionariedade poderia desaguar numa arbitrariedade se não fosse interpretada a norma de forma adequada. Assim, buscando contornar a possível situação de discricionariedade que surge em certos casos, o jusfilósofo Ronald Dworkin (DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério . Martins Fontes, São Paulo, 2002. Sobre o tema interessante a leitura de ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos . Malheiros Editores, São Paulo, 2005), tomando como base o modelo po- sitivista de Herbert Hart , vai, primeiramente, admitir a existência de casos fáceis e difíceis e para cada espécie, um modo-de-fazer-interpretação-aplicação-do-direito. Nos casos fáceis se faria a subsunção da norma-regra jurídica, e, nos casos difíceis, diferentemente do modelo de Hart , pelos princípios (normas ignoradas pelo sistema positivista) e pelo papel que eles desempenham no sistema normativo sempre é possível encontrar uma resposta correta para o caso, a tese é totalmente anti-discricionária, mostrando que é inadequado considerar que o juiz tem o poder discricionário de decidir o caso de uma maneira ou de outra nos famosos hard cases .
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