Direito em Movimento - Volume 17 - Número 1 - 1º semestre/2019
127 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17 - n. 1, p. 90-141, 1º sem. 2019 ARTIGOS O apenado S. L. F. 32 , 29 anos, foi sentenciado a 14 anos de reclusão por homicídio doloso, já cumpriu 9 anos em regime fechado e semiaberto, sendo que, há seis meses, cumpre a pena em prisão albergue domiciliar. Acompanhamos sua alegria ao ganhar tal benefício e não precisar dormir todas as noites no estabelecimento prisional; no entanto, logo após o início da utilização da tornozeleira eletrônica, é assim que ele se sente: foi um romancista e dramaturgo japonês. Foi um dos líderes do vanguardismo. Seu conhecimento da literatura ocidental, do existencialismo, do surrealismo e do marxismo moldaram sua posição ante aos problemas de perda de identidade no Japão do pós-guerra. 32 S. L. F. - Ex-presidiário, estudante de Pedagogia na UERJ e Gestão Pública na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro Pesquisador do Projeto de Pesquisa e Extensão Do Cárcere à Universidade. Participou e autorizou a utilização do seu nome e da sua história no desenvolvimento desse trabalho. "Algumas coisas mudaram sim, mas permaneci preso. Não são prisões simbólicas, imaginárias ou fictícias. É uma prisão. Não há porque tratar o termo em complexidades. Meu direito de ir e vir ainda está sob o controle do Estado. Pensavam que por eu estar no Extramuro eu já estivesse solto. Agora, em Prisão Albergue Domiciliar acham a mesma coisa. Só posso sair de casa após 06:00 e tenho que retornar até 20:00. Eventuais atrasos acarretam faltas disciplinares. Fim de semana, nada de ir até a padaria da esquina, é casa e pronto. Sim, é muito melhor correr pra chegar no horário em casa. Antes era correr pra chegar na cadeia. Sim, é muito melhor enca - rar o BRT e o trem contradizendo a lei da Física quanto a corpos e espaços no mesmo lugar, devido à lotação, do que encarar um transporte do SOE- SEAP te levando pro fórum. Sim!!!! Muita coisa aconteceu. Mas não há que negar, preso será sempre preso. Seja por algemas, cadeados, trancas e celas, ou por fios, GPS, e varanda de casa. Se há limitação de trânsito por obrigatoriedade do Estado, não posso negar... Ainda estou preso. Mas há de terminar, avanços consideráveis aconteceram. Mas meu ponto de referência não é Gericinó. Meu ponto de referência é a liberdade. Então se eu olhar pra Bangu, eu pareço estar solto, mas se eu olhar pra vida.... Sim eu ainda estou preso! “Legal" mesmo é você dar uma pausa nos estudos e levantar para res- pirar o ar fora do quarto. E, ao fazer isso, esquecer que a tornozeleira está carregando, e, ao sair, tu puxa o fio, que puxa a extensão, que puxa o fio do ventilador, que puxa o fio do carregador, que puxa o outro fio, que puxa a meleca toda, quase derruba tudo e faz uma barulheira do caramba. Ah tornozeleira, ah tornozeleira…"
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