Direito em Movimento - Volume 16 - Número 2 - 2º semestre/2018

233 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 16 - n. 2, p. 221-244, 2º sem. 2018 DECISÕES COMENTADAS passo, a acusação tem o ônus da prova e só pode se desincum- bir deste ônus com respeito à lei. Sendo assim, a verdade que se busca no processo está limitada pelo devido processo e pelas garantias fundamentais. (NICOLITT, 2014, p. 635). 3. A prova ilícita no caso concreto O magistério de Antonio Scarance Fernandes, conforme acima adiantamos, é oportuno porquanto no caso concreto levado ao conheci- mento do Tribunal de Justiça de São Paulo no Habeas Corpus nº 2188896- 03.2017.8.26.0000, a prova declarada ilícita, como visto, se originou da atitude de uma médica que, ao atender a paciente em situação (a prin- cípio) adequada ao tipo penal contido no artigo 124 do Código Penal (autoaborto), descreveu explicitamente tal circunstância em documento entregue à família, que recomendou que fosse encaminhado à Delegacia Policial, o que ingenuamente foi providenciado por uma tia da paciente (da médica e no Habeas ). Como consta do aresto lavrado pela desembargadora Boujikian, “a médica registrou, além de diversas informações: “mãe compareceu no pron- to-socorro de ginecologia, onde constatou-se medicação intravaginal abor- tiva” (fl. 194)”. E dá sequência a relatora do acórdão: não fosse a médica efetuar o registro desta informação no documento, que recebeu sob o sigilo médico, e encaminhá-la para a delegacia, não haveria prova alguma contra a acusada e a persecução criminal não teria sido instaurada. Constata-se, desta feita, que a prova ilícita se originou, como dito, de ato de particular em fase ainda pré-processual (na verdade ainda mesmo pré-investigatória, o que será melhor analisado mais à frente), o que de ma- neira alguma a desveste de seu caráter ilícito por violação a diversos ditames constitucionais.

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