Direito em Movimento - Volume 16 - Número 2 - 2º semestre/2018
225 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 16 - n. 2, p. 221-244, 2º sem. 2018 DECISÕES COMENTADAS que descriminalizaram o aborto e decisões das Cortes Internacionais de Direitos Humanos que tratam do direito à vida, tudo sem perder de vista o impacto dessa criminalização sobre as mulheres pobres 3 , relegando-as ao abortamento inseguro que constitui uma das maiores causas de mortes en- tre as mulheres gestantes brasileiras. Vale acrescentar neste ponto – em que pese o quase exaurimento dos temas lembrados por Boujikian, de maior relevância em torno do direito ao aborto dentro de um Estado Democrático de Direito em que se confira plenitude aos direitos humanos e fundamentais da mulher –, ainda que também superficialmente (pelo motivo igualmente acima indicado), que muitos mencionam o direito à vida do feto em oposição ao direito ao abor- to, mas se esquecem de alocar um pequeno adjetivo ao lado daquele subs- tantivo: o direito à vida digna . De fato, no que toca ao feto, é necessário lembrar que mesmo a vida não é um direito absoluto (por exemplo: pode ser retirada, em situações extremas, v.g. em legítima defesa ou estado de necessidade, a vida daquele que coloca em risco de forma ilegítima a vida de outrem). Exigir que terceira pessoa mantenha gravidez indesejada, que poten- cialmente gerará uma vida não querida seja por razões de ordem psico- lógica seja por motivos de natureza material, é dar ensejo ao nascimento de crianças que serão, logo em seguida a seus nascimentos, abandonadas material ou imaterialmente, afetivamente, intelectualmente, e que jamais serão atendidas, sustentadas, criadas, educadas por aqueles que defende- ram/exigiram seu nascimento – estes, muito provavelmente, pelo contrário, serão os primeiros a virarem o rosto diante da criança abandonada, mise- rável, pedinte, isto quando não são os mesmos que incoerentemente de um lado lutam contra o aborto enquanto de outro defendem a pena de morte. 3 Sobre a questão, relevantíssimo o levantamento feito pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ao demonstrar que a maioria das mulheres processadas por aborto nesse Estado é negra e pobre, disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/aborto-levantamento.pdf, acesso em 03 de maio de 2018.
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