Direito em Movimento - Volume 16 - Número 2 - 2º semestre/2018
224 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 16 - n. 2, p. 221-244, 2º sem. 2018 DECISÕES COMENTADAS 1. A não recepção da tipificação do crime de aborto O aresto em questão, corretamente, não desceu até minúcias quanto à não recepção do tipo penal de aborto pela ordem constitucional vigente desde 1988, o que tampouco será objeto central deste artigo eis que focado na questão da prova ilícita – mesmo porque foi este o fundamento principal para a concessão do Habeas em comento. De fato, não dispondo de maioria junto à 15ª Câmara de Direito Cri- minal do Tribunal de Justiça de São Paulo para levar o tema ao Órgão Especial daquele Tribunal, em observância à cláusula de reserva de plená- rio e aos termos da Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal 2 , limitou-se a desembargadora relatora Kenarik Boujikian a ressalvar seu entendimento pessoal sobre a matéria no sentido da não recepção do tipo incriminador previsto no artigo 124 do Código Penal, imputado à paciente do Habeas Corpus , salientando a necessidade de adensamento dos deba- tes a tal respeito dentro do Judiciário, sobretudo após os julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal da ADPF 54 (aborto de feto anencéfalo) e do HC 124.306, que tramitou perante a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a qual, por maioria, deu interpretação conforme a Constituição aos artigos 124 a 126 do Código Penal, que tipificam o crime de aborto, e declarou a “inconstitucionalidade da incidência do tipo penal do aborto no caso de interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre”. Citou em seu voto a desembargadora Boujikian, ainda que en passant (pela razão acima indicada), a crescente demanda em torno da garantia da saúde da mulher, de seus direitos sexuais e reprodutivos, o direito à não manutenção de gestação indesejada, o direito à integridade física e psíqui- ca da gestante, a autonomia de vontade da mulher quanto a suas escolhas existenciais, o direito à liberdade e igualdade, o número crescente de países 2 Súmula Vinculante 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte” .
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