Direito em Movimento - Volume 16 - Número 2 - 2º semestre/2018

153 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 16 - n. 2, p. 149-181, 2º sem. 2018 ARTIGOS 1) Primeiro será traçado um breve panorama da história intelectual do Brasil nas últimas décadas do século XIX, especialmente no que se refere à formação jurídica e à importância das Faculdades de Direito na política e nas letras brasileiras. Expressões-chave serão “herança ibérica”, 8 a influência da Universidade de Coimbra, a tradição do absolutismo pombalino portu- guês 9 e a marca cultural francófona das elites intelectuais brasileiras. 10 2) Em segundo lugar, serão abordados os casos específicos da recepção dos acadêmicos e professores universitários de língua alemã Ernst Haeckel (1834-1919), zoólogo, e Rudolf von Jhering (1818-1892), teórico do direi- to, pelos intelectuais e juristas brasileiros Tobias Barreto e Sílvio Romero (1851-1914). Nesta parte ganhará destaque a trajetória intelectual de Bar- reto até chegar à leitura e ao estudo dos autores de língua alemã, através de 8 Sobre o tema da “herança ibérica” ver especialmente HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 27 a . ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014 e FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro . 3a ed. rev. São Paulo: Globo, 2001. 9 Trata-se do que a pesquisadora Gizlene Neder denominou de “iluminismo jurídico-penal luso-brasileiro”. Esclarece a historiadora: “A modernização e a renovação introduzidas no período pombalino não implicaram, contudo, um movimento ideológico e político radical, cujos efeitos práticos redundassem em transformação do status quo . Pelo contrário, a Ilustração, cujo raio de ação e impacto revolucionário devem ser matizados, significou, em Coimbra, uma redefinição modernizante do perfil da intelectualidade luso-brasileira, do ponto de vista metodológico (…), sem, contudo, produzir efeitos de ruptura com o viés autoritário e conservador do padrão de obediência e submissão, inculcados por um sistema reprodutor escolar e universitário mimético e pouco criativo, que, embora rompido com os jesuítas e com o escolasticismo, seguiu marcado pela presença do conservadorismo clerical. (…) No caso do Brasil, inclusive, só em décadas muito recentes o ensino univer- sitário no campo da história, da sociologia e da economia passou a constituir-se num campo independente da influência de intelectuais formados em direito: jornalismo, administração pública, ensino de história, geografia, sociologia, economia, etc. De modo que muitos aspectos da obediência e submissão intelectual podem tam- bém ser notados no habitus desta intelectualidade no tempo presente” (NEDER, 2007, p. 19-20). Para maiores detalhes sobre as relações entre o absolutismo ilustrado pombalino e a cultura jurídica brasileira, ver Idem. Ver ainda FERNANDES, Fernando Augusto. “Vozes e emoções do passado, do futuro e do passado-futuro”. In: CERQUEIRA FILHO, Gisálio (org.). Sulamérica – comunidade imaginada – emancipação e integração . Niterói: EdUFF, 2011, p. 105-106. 10 Ver VILLAÇA, Antônio Carlos. O Pensamento Católico no Brasil . Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975. Neder acrescenta, que “...mesmo levando-se em conta a presença, na sociedade brasileira, das modernidades oriun- das de diferentes partes da Europa (o francesismo nas atitudes e nos costumes da vida cotidiana – mais do que o elã revolucionário; os maneirismos que afetaram comportamentos e atitudes (…), pensamos ser possível iden- tificar fortes laços que estabelecem um continuum , do ponto de vista ideológico-político e afetivo com Portugal” (NEDER, 2007, p. 18-19; itálico do original). A influência francesa na intelectualidade brasileira foi, portanto, uma influência filtrada pelo pragmatismo pombalista, que através da importância da cultura jurídica resvalou para a cultura acadêmica como um todo. Ver ibidem, p. 20.

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