ARTE E PALAVRA
28 Rodolfo une-se ao irmão, carrega-o nas cos- tas numa cena comovente: “O sol batia em cheio em nós enquanto o vento levantava as tiras de sua ca- misa rasgada. Vi nossa sombra no muro, as tiras se abrindo como asas. Enlaçou-me mais fortemente, en- costou o queixo no meu ombro e teve um breve soluço, ‘Que bom que você veio me buscar...’” . Pareciam for- mar um só em comunhão. A imagem me lem- brou um anjo, dando a ideia de ser um o anjo do outro. A diferença é que Eduardo pôde ficar grato: “que bom que você veio me buscar”. Para Rodolfo, a vida é mais difícil. Desperta compaixão a resistência que ele tem de sentir e de tomar posse de suas vivências e sentimentos amorosos. Tem dificuldade de receber amor e de sentir gratidão. É seu lado amoroso o que fica obscuro para ele. Aí, vamos ao título Ver- de lagarto amarelo , enigmático. Não seria o nosso menino, o lagarto amarelo, tão verde, tão imatu- ro quantos as uvas da casa da mãe que nunca ti- veram tempo de amadurecer? Por isso ninguém nunca soube se eram doces... Eram colhidas an- tes do seu tempo. O que aconteceu com Rodolfo? Um trauma, um acidente psíquico, uma experiência emo- cional que afetou todo o seu desenvolvimento, sua maneira de apreender o mundo. Não teve como elaborar algum ou alguns acontecimentos em sua vida... Pode ter sido exigido prematura- mente. Não temos como saber, podemos fazer conjecturas, hipóteses. Nunca saberemos tudo, nem na vida nem na ficção. Somos livres para pensar, sonhar, é o que fazemos em análise. É o que nos faz crescer e aproveitar o viver. Todo instante da nossa vida humana ganha um significado que vai afetar e ser afetado pela experiência seguinte e assim vamos construindo nosso mundo interno. Há uma história que gos- to muito e não lembro a origem, de um sábio que estava à beira da estrada quando passou um viajante e perguntou como era a próxima cida- de. O sábio então perguntou-lhe de volta como era a cidade de onde vinha. O viajante disse que muito ruim, não tinha amigos, só encontrou pessoas desonestas, resolveu ir embora porque nada prestava. E o sábio disse: “ vá com cuidado, lá também encontrarás pessoas que não prestam ”. O tempo passou e chegou outro viajante com a mesma pergunta, “ como seria a próxima ci- dade ”. De novo, o sábio perguntou como era sua cidade de origem. Já esse homem respondeu que sua cidade era maravilhosa, que estava triste por ter que deixá-la, tinha amigos, boa comida... Então o sábio lhe disse: “ vá tranquilo, lá também encontrarás boas pessoas que vão aquecer seu coração e serás feliz ”. Um sujeito que tudo observara, foi reclamar com o sábio: como ele poderia dizer coisas tão diferentes da mesma cidade? E o sábio serenamente respondeu que levamos o mundo dentro de nós, encontramos o que levamos. Certamente, essa história está meio distorci- da por mim. Meu objetivo é mostrar como nos- so mundo interno influencia nossa percepção do mundo externo. E, a cada experiência de vida, vamos construindo e reconstruindo nosso significado ou ressignificando as experiências do viver. Aí se baseia a Psicanálise, na expe- riência emocional do encontro entre analista e analisando, que sentem, vivem e revivem emo- Não seria o nosso menino, o lagarto amarelo, tão verde, tão imaturo quantos as uvas da casa da mãe que nunca tiveram tempo de amadurecer? Por isso ninguém nunca soube se eram doces... Eram colhidas antes do seu tempo. “
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