ARTE E PALAVRA
20 namento na Casa Verde , pelo que descreve o texto: “O barbeiro Porfírio, ensinado pelos acontecimentos, ‘tendo provado tudo‘, como o poeta disse de Napoleão, e mais al- guma coisa, porque Napoleão não provou a Casa Verde, o barbeiro achou preferível a glória obscura da navalha e da tesoura às calamidades brilhantes do poder”. Para dar um fim nesta análise do texto, cabe destacar que aos poucos, entretanto, o alienista começou a perceber que se a maioria das pesso- as se parece na forma de pensar, definindo assim um padrão na anormalidade , ele, como o único que pensava fora do padrão, seria então o único verda- deiramente anormal. Ao chegar a essa conclusão, ele mandou soltar todos os presos no manicômio e, voluntariamente, se internou na Casa Verde . O que cabe discutir, e parece que no conto isso é feito magistralmente, não é o saber em si,mas o modo pelo qual ele circula e funciona nas suas re- lações com o poder. Como apontado no início, o conto leve e de leitura agradável é de uma riqueza incrível e cons- trói um grande painel crítico da história social do país no final do século XIX e alvorecer do século XX. Como salienta Sidney Chalub, Machado de Assis é um historiador, e acrescentamos, um pro- fundo conhecedor da alma humana, como o são Lima Barreto e William Shakespeare. Simão Bacamarte não é um lunático, não é uma caricatura, ele é real e atemporal. Temos em torno de 700.000 presos no denominado país da impunidade e, considerando o número absoluto, temos a 3ª maior população carcerária do mundo. Quando comparamos com os dados do IBGE, somente 49 municípios do Brasil têm população maior do que 500.000 pessoas; somos, segundo o que é divulgado, o país que mais aniquila a po- pulação LGBTQIA+. São também alarmantes os dados sobre violência de gênero. Enfim, não compreendemos a alteridade, tal qual Simão Ba- camarte. A obra literária de um modo geral autoriza uma série de perspectivas interpretativas, pare- cendo até que o autor nunca a termina para que os leitores o façam a partir das suas experiências pessoais, e foi o que dentro dos limites de espa- ço que me foram impostos procurei fazer, lendo o conto, sobretudo, a partir da minha experiência técnica como juiz, professor e líder de um grupo de pesquisa. Mas procurei usar, principalmente, o olhar de humanidade e de respeito às diferenças, sem dúvida, uma grande lição, dentre tantas que o conto lega. Por fim, em tempos de terraplanismo cientí- fico, quero registrar o meu profundo respeito, a minha integral demonstração de apreço e o meu reconhecimento incondicional da importância e da necessidade da ciência para se alcançar o apri- moramento humano. O que cabe discutir, e pare- ce que no conto isso é feito magistralmente, não é o saber em si, mas o modo pelo qual ele circula e funciona nas suas relações com o poder. Apontamento apresentado na Roda de Con- versa da primeira temporada do programa Livro Aberto – Encontros com a Literatura , sobre a obra do es- critor Machado de Assis, promovido pela Comis- são Biblioteca e Cultura da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em 29/7/2021. https://www.youtube.com/watch?v=rVEUE-q3G7c “ ” C ezar A ugusto R odrigues C osta Doutor em Filosofia no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ); Professor da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ).
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