ARTE E PALAVRA
17 Apontamento sobre o conto O alienista 1 1 ASSIS, Machado de, 1939-1908 Todos os Contos, volume 1 / Machado de Assis - 1. Ed.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019 C ezar A ugusto R odrigues C osta E ste pequeno apontamento resume a minha participação no programa Livro Aberto , que tratou do conto O alienista , de Machado de Assis, publicado inicialmente em 1882, na revista Estação , e incorporado ao volume Papéis Avulsos (li- vro de contos do autor). Discussão à parte sobre a natureza literária da obra, que se confunde com uma novela por envolver na sua estrutura uma série de situações um tanto distintas, fato é que a sua riqueza e profundidade, que caracterizam vários trabalhos de Machado de Assis, a exem- plo de Dom Casmurro , trazem à tona o humano nas suas múltiplas possibilidades, com a inveja, a subserviência, o desejo de poder e tantas outras qualidades e imperfeições. Não tenho formação em Literatura, e o con- vite partiu, também, da diretora-geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, desembargadora Cristina Tereza Gaulia, que me honrou ao compor a banca do meu douto- ramento em Filosofia no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faço esse destaque ao menos para ex- plicar, ainda que minimamente, por que escrevo este texto e por que participei do debate. Ressalto que, embora não tenha sido esse o meu primeiro contato com o conto, a análise com maior profun- didade se deu quando fui integrante do Fórum de Execução Penal da EMERJ, então presidido pelo desembargador Álvaro Mayrink – um fó- rum multidisciplinar com membros da área da saúde, sobretudo a mental, e da área jurídica, no qual por várias vezes o conto foi mencionado e de algum modo analisado. Essa troca de saberes me propiciou a amplia- ção do conhecimento e das dúvidas. À época, eu era juiz titular da Vara de Execuções Penais, o que me possibilitou agregar a experiência prática do meu cotidiano profissional ao conhecimento teó- rico. Esse estado de coisas me conduziu à criação de um grupo de pesquisa sobre doença mental e crime na Faculdade Nacional de Direito, onde le- ciono, e, em seguida, à dedicação à tese de douto- rado na qual trato do mesmo tema, contudo, sob a perspectiva da colocação do saber a serviço do po- der exercido pela classe dominante. Em ambos, o conto é e foi extremamente útil, porque, sob a mi- nha visão, Machado de Assis desnuda nessa obra a constituição do poder e a maneira como este exerce o controle das massas e dos seus corpos; o papel da Ciência e do Direito nessa estrutura; a alteridade, ou falta dela; e, como já salientado, a alma humana, montando um grande painel histó- rico, social e crítico do país. O principal referencial teórico que utilizei na tese foi Michel Foucault, e por isso trago para este texto a reflexão de Manoel Barros da Motta ao apresentar a edição brasileira de Segurança, Penali- dade e Prisão , volume VIII, da coleção Ditos e Escritos , que reúne trabalhos de Michel Foucault, advertin- do que a “nossa relação com a racionalidade científica ou com a razão humana tout court, seja nas práticas da psi- quiatria e da psicologia, seja nas práticas judiciárias, modifi- cou-se com a reflexão de Foucault sobre a loucura em termos históricos e sobre o poder psiquiátrico” . Possivelmente, então, impregnado por essa episteme, li o conto inserindo-o no contexto histórico e político que o escritor viveu quando o produziu.
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